Vamos pregar noutra freguesia

10 de abril de 2012

Vamos pregar noutra freguesia

Mário Mandacaru, Brand Design/Brandia Central e Presidente do Clube de Criativos de Portugal

O protesto de alguns milhares de pessoas que se deslocaram a Lisboa para uma “afirmação da cultura e da etnografia do povo português, demonstrativa das raízes, da riqueza e da representatividade das freguesias”, deu-se ao longo da avenida mais luxuosa do país, descendo com os seus grupos folclóricos, fanfarras e ‘Zés Pereiras’ desde a Dolce & Gabanna até ali ao Starbucks, passando pela Louis Vuitton, Hugo Boss e Zadig & Voltaire entre outros, o que é como quem diz “do Marquês ao Rossio”.

Acredito que se possa ter dado o caso de não terem reparado nas montras, mas tenho a certeza de que os lojistas se aperceberam que aquela malta não estava ali para adquirir uns modelitos de primavera para alegrar o guarda-roupa.

Um dos argumentos dos que se opõem à extinção/fusão/agregação/aglomeração de freguesias baseia-se na eventual perda de identidade progressiva desses bairros.

Não nos enganemos, sabemos muito bem que a herança cultural de um lugar depende muito pouco, ou se calhar mesmo nada, da sua parafernália administrativa, dos carimbos e das suas almofadinhas, das secretárias de contraplacado ou da papelada arrumada para sempre em dossiers.

A questão é que certamente entre a força de fazer rufar os tambores de Alcafozes e o rodar das saias ao som dos cantares típicos de Vila Frescainha não repararam numa outra coisa, e que se calhar deviam ter em atenção: o Mundo mudou e teima em continuar a mudar. ‘É uma grande chatice’ dirão os que gostam de manter coisas como elas são ou, pior ainda, como elas eram. É como insistir em repetir o concerto dos Genesis igualzinho ao de há cem anos atrás, mas em imitação, na freguesia de Cascais.

A cultura local sobreviverá se for digna de respeito, se tiver qualidade suficiente para se posicionar dentro dos novos paradigmas da comunicação global enquanto matéria viva e representativa da Marca de cada lugar. Não devem ficar à espera que lhes seja concedido espaço para a sua existência, mas devem, antes, ser os criadores desse seu próprio espaço, que não é certamente a Avenida da Liberdade num sábado à tarde. Terão de ser mais do que isso, ou não ser.

Há uns dias pude constatar a enorme diversidade e qualidade de produtos regionais numa feira realizada no Campo Pequeno. Estava repleta. Hoje chamam-nos produtos gourmet, mas em outros tempos eram do mais trivial possível. Foram rebatizados, reembalados, reajustados a uma nova realidade e só não me foram mais apetecíveis porque estive lá estrategicamente depois de ter almoçado.

O folclórico pelo folclórico não enche barriga. Se o produto cultural que as marcas-freguesias oferecem for relevante, atual e adequado aos tempos que correm, não há dúvidas de que se manterão independentemente da fusão que se avizinha. Afinal, qual é a marca que sobrevive com um mau produto?

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