Um pio desafinado…

26 de março de 2013

Um pio desafinado…

Elizete de Azevedo Kreutz, Presidente do Observatório de Marcas, Editora Regional da revista científica BrandTrends e professora-investigadora da Univates - Brasil

Um título complicado, com vários sentidos, mas podemos resumi-lo em: a importância do Discurso Multimodal coerente, pois um pio desafinado pode comprometer a reputação da marca.

Entendemos por Discurso Multimodal da Marca as práticas comunicativas da marca que envolvem a representação (recursos semióticos, modo e meio) e a interação do público, pois pressupõe-se fazer algo para, por ou com alguém, o que significa considerar o conhecimento das pessoas. Partindo disto, já sabemos o quão complexo é construir um discurso multimodal coerente, pois o conhecimento das pessoas não repousa placidamente em um conjunto ordenado, pequeno e econômico de regras que geram um infinito número de enunciados, como acreditavam os modernistas. Este conhecimento cada vez mais está em ebulição/erupção constante, fazendo com que os recursos semióticos, usados nas práticas comunicativas, sejam mutantes e dinâmicos.  O mesmo se dá para os modos e meios pelos quais circulam os discursos. E devemos adicionar em tudo isso o fato de que o público deseja, cada vez mais, participar ativamente da vida das marcas. É a era dos prosumers.

Um pio desafinado Fig 01Tomamos, como exemplo, as mudanças ocorridas no Twitter, um microblog surgido em 21 de março de 2006 e que obteve sucesso entre os internautas, do Papa Bento XVI a Hugo Chávez. O Twitter era, literalmente, do público que postava suas mensagens, lia, acessava e retuitava aquelas que considerava relevantes, bem como se apropriava da identidade visual do Twitter, fazendo a sua versão do pássaro. Isto gerava uma comunhão com a marca, ao mesmo tempo que despertava o interesse de outros internautas (Fig. 01).

Em termos de Discurso Multimodal da Marca, podemos afirmar que a mesma era coerente, pois pertencia aos usuários (mais de 200 milhões) e sua identidade visual representava isso, na medida em que permitia as apropriações e versões. Entretanto, em 6 de junho de 2012, o Twitter tomou a decisão de eliminar esta interação característica da marca, o que se chamou de evolução do pássaro Larry (ex-nome do passarinho azul, agora só Twitter). A partir disso, disponibilizou as novas regras de uso da marca. Nas atuais “políticas de uso da marca”, disponíveis no site oficial, o que mais se destaca é quantidade de proibições (Fig. 02). Em contrapartida, na apresentação oficial da marca no YouTube, verificamos que o discurso verbal (texto que ancora o vídeo) sugere liberdade, esperança e criatividade sem limites.

Um pio desafinado Fig 02

Imediatamente percebemos que estamos diante de uma incoerência discursiva verbal, ancorada na incoerência discursiva visual. Além disso, para os usuários isso soou como um traição, um roubo da liberdade e intimidade que tinham com a marca: Como não posso???!!!. E reagiram instantaneamente com ações de antibranding (Fig. 03).

Um pio desafinado Fig 03

Diante desses fatos, muitos são os questionamentos: quantos realmente se importam com as mudanças impostas pela marca? Quantos realmente “obedeceram” as novas regras? E quantos deixaram de interagir com a marca de maneira mais envolvente, como criar o seu próprio pássaro, e passaram para uma relação mais fria e funcional? Sem dúvidas, este caso merece uma pesquisa em profundidade, mas uma rápida observação em alguns sites acessados de maneira aleatória, observamos que nem todos estão seguindo as novas regras, inclusive o próprio Twitter. Uma das regras é não mudar a cor (“DON’T change the color of the bird”) e no vídeo institucional, em comemoração aos 7 anos da marca, a marca faz uso da cor vermelha quando se refere ao Japão (Fig. 04).  Observamos ainda que outros sites usam o “t”, que está entre os itens proibidos.

Um pio desafinado Fig 04

Fazendo uma pequena analogia, o pássaro azul do conto chinês queria algo simples: liberdade! Este também é o desejo dos fãs da marca: liberdade para expressar o que pensam a respeito dela. E o farão, com ou sem autorização dos “propietários” da marca. Se isso é inevitável, é mais simpático atender aos pedidos, pois para construir discurso de marca que resulte em uma imagem-conceito que causará empatia/simpatia/identificação do público, as organizações devem estar atentas ao que há mais valioso à sociedade, fazer um bom uso dessas informações e zelar pela coerência do Discurso Multimodal da Marca.

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Comentários (1)

  1. Uma ótima análise, perfeito…

    por: Renato,

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