Com o regresso das férias, partilho convosco a pergunta que me fizeram quando estava na praia, debaixo do toldo, com o tablet na mão, a ver as notícias do dia – “Quem matou os jornais?” perguntava um amigo.
A pergunta, apesar de simples, não tem uma resposta fácil. Influenciado pelas estatísticas nos vários mercados mais maduros, o amigo referia que a tiragem tem vindo a diminuir, que as receitas publicitárias sofreram uma erosão elevada ao longo dos anos, que os hábitos dos consumidores se alteraram… mas será isso que explica tudo?
Se nos reportarmos aos últimos anos, verificamos que o modelo de negócio tradicional da imprensa escrita está em causa. As receitas publicitárias que garantiram o sustento ao longo de anos estão agora, não só mais reduzidas, mas também mais dispersas por uma diversidade de outros meios igualmente relevantes para os anunciantes. Isto exige uma maior pressão sobre as estruturas de custos, quer de produção de conteúdos, quer de distribuição.
Cumulativamente, os negócios onde a imprensa detinha o “monopólio” ao longo de décadas, mudaram de mãos num curto intervalo de tempo. Um bom exemplo é o negócio dos classificados automóveis, os quais estão hoje nas mãos de portais sectoriais. Outro é o dos classificados de imobiliário, que se encontram em portais verticais especializados no tema, ao mesmo tempo que as grandes redes de agentes de mediação imobiliária aceleraram rapidamente para um novo modelo digital, ocupando assim algum espaço que ainda existisse.
Por outro lado, a forma como as audiências consomem informação alterou-se profundamente ao longo destes últimos anos, não só através de novos meios de comunicação, mas principalmente através de novas plataformas de contacto. Ao longo deste período de férias bastava olhar à volta para ver como se consome informação. As redes sociais para saber “das últimas notícias”, os blogs para saber onde vão acontecer as festas ou onde ir jantar, os emails com o resumo da imprensa diária, e o Word of Mouth digital a funcionar como nunca. Tudo isto, claro está, em versão mobile e na palma da mão.
Como se não bastasse, o aparecimento do que podemos chamar os DPP – “Digital Pure Players”, não vem facilitar a vida aos operadores mais “tradicionais”. Estes novos actores trazem consigo um DNA digital, competências e perfis distintos, modelos de negócio diferentes e estruturas de custo mais adequadas ao contexto actual. Focam-se num maior imediatismo, num storytelling bem estruturado, ao mesmo tempo que procuram dar resposta às necessidades de consumo de informação dos segmentos mais digitais.
As estatísticas (nos USA) evidenciam que as receitas da imprensa escrita foram crescendo ao longo dos anos, atingindo o seu pico por volta do ano 2000. Desde então, o declínio tem sido forte. Os dados demonstram também que, por cada euro conquistado no lado digital, são perdidos 7 euros no lado tradicional do negócio, enfatizando que as novas fontes de receita não compensam as perdas das históricas.
Os principais títulos debatem como dar resposta a muitos dos desafios que enfrentam nos dias de hoje, e que têm origem neste novo contexto digital.
Torna-se óbvio que quanto mais cedo as empresas de media se adaptarem a esta nova realidade, mais tempo e mais recursos vão ter disponíveis para construir o seu futuro sustentável. Para tal, há que ter em consideração quatro factores fundamentais nesta “Evolução Digital”:
- Novos perfis e novas competências – aliada à reestruturação de custos que o contexto obriga, é necessário contratar profissionais com competências nestas novas ferramentas de comunicação quer para a parte de produção, quer de distribuição de conteúdos. Com perfis que mimetizem o novo tipo de consumidor de informação, para assim poderem dar uma resposta rápida e eficaz face às suas necessidades, ao mesmo tempo que desenvolvem um DNA cada vez mais digital.
- Adaptação da equipa e da oferta comercial – os (poucos) anos de história comercial neste novo contexto, demonstram que as empresas passam por três fases. Uma primeira, em que o digital é um “nice to have” e onde as equipas comerciais se mantêm na sua zona de conforto (abordando superficialmente as virtudes dos novos formatos). Uma segunda fase, onde a oferta evolui para um bundle das duas componentes procurando dar resposta a anunciantes cada vez mais exigentes e, por último, uma terceira fase onde a oferta está estruturada numa lógica omnicanal, ao mesmo tempo que as equipas comerciais são únicas e integradas. A aceleração para esta terceira fase é crucial para acelerar o sucesso do processo de evolução, mas requer uma forte aposta na formação de novas competências.
- Utilização de novos canais de comunicação – os novos consumidores de informação recorrem a meios tecnológicos para se manterem informados no seu dia-a-dia, e que a imprensa tem de adoptar rapidamente. Ferramentas como o WhatsApp, ou Periscope devem fazer parte do vocabulário dos seus profissionais e devem sustentar a estratégia de recolha e de desenvolvimento de conteúdos por parte do meio.
- Sair da zona de conforto – é de extrema relevância que os actuais players se movam para territórios complementares. Ao explorar novas oportunidades de negócio estão a promover maior rentabilidade e a monetizar as competências já existentes. Muitos dos players têm falhado neste ponto, dando espaço a competidores que têm origem noutros sectores de actividade.
Os gestores estão ainda à procura da melhor forma de progredir, mas parece que o novo foco digital é a única opção. A compra do “The Washington Post” por Jeff Bezos com o objectivo de trazer para a companhia um driver digital, demonstra uma boa visão estratégica por parte da família Graham para a continuidade do seu legado de mais de 80 anos, mas é também uma mensagem a toda a indústria dos media.
Aqueles que conseguirem agregar um forte mix de competências digitais ao actual mix de competências jornalísticas, irão decerto desbravar novas oportunidades de negócio. Como dizia o companheiro de toldo de praia:
“quem não quebrar as regras internamente, vai ter de enfrentar as consequências das novas regras do mercado”
Olá como está? Ler o seu artigo foi um agradável regresso à aula de Marketing Management do ISCTE. Obrigada pelo artigo e pela “viagem ao passado”. Beijo Celeste Filipe