Quando a esmola é grande, o pobre desconfia e continua pobre

10 de março de 2014

Quando a esmola é grande, o pobre desconfia e continua pobre

João Geada, Zé da Zémaria

Numa conversa com uma amiga que recentemente se aventurou no mercado mais evoluído e competitivo do mundo, os EUA, abrindo uma empresa de publicidade, voltei a confirmar que acaba por ser mais fácil fazer negócios a sério nestes mercados porque mesmo sendo muito mais competitivos e mesmo existindo relações sólidas entre as marcas e as suas agências, estão sempre dispostos a ouvir outras ideias, na expectativa de que o que temos para oferecer, acrescente valor às suas empresas.

Por cá, escusado será dizer, que o sentimento mais forte e presente na relação marca-agência é sempre a desconfiança, aquela sensação hostil do ‘deixa-me estar atento que isto vai dar merda’. Somos assim, primitivos e desconfiados, pequeninos e feudais, cheios de medo que nos pisem a horta. E como seria de esperar, o nosso mercado funciona em concordância com esta angústia, levando a que a indústria da publicidade, crie muitos anúncios mas pouco valor.

Explicando um pouco melhor como vejo isto da criação de valor, importa reconhecermos primeiro que num mercado livre, a menos que nos dediquemos exclusivamente à inovação, o que temos para oferecer outros também têm, e se tivermos alguma probabilidade de sucesso, é certo e seguro que vamos ter concorrência.

Basta comparar a oferta dos operadores de telecomunicações, da banca ou até de papel higiénico, para perceber que na prática, não existem diferenças tangíveis e absolutamente racionais que justifiquem optar por uma empresa, em detrimento de outra.

É por isso que a criação de marcas e todas as disciplinas do marketing e da comunicação, são tão importantes. É através delas que se constrói uma personalidade, idealmente distinta e assente em atributos, ou valores, que a transformem na mais cativante e interessante, fazendo com que prefiram o meu papel higiénico ao da concorrência, não porque é melhor, mas porque a minha marca é muito mais simpática, surpreendente e relevante que as outras, ou seja, tem mais valor.

Infelizmente, como desconfiamos de tudo e todos, não queremos saber de ideias peregrinas que poderiam acrescentar valor no médio longo prazo, mas que no imediato constituem um risco, e correr riscos com parceiros de quem desconfiamos, é à partida um empreendimento falhado.

Por isso fazemos anúncios, no sentido literal da palavra, aos atributos tangíveis, normalmente o preço baixo e a qualidade alta e medimos a relevância da marca, ou como gostam de lhe chamar, o ‘engagement’, pelo número de likes que se vendem nas redes sociais.

O resultado é um mercado indiferenciado onde todos fazem tudo da mesma maneira, minimizando os riscos o mais possível e actuando num ping-pong perpétuo de reacções aos movimentos da concorrência, usando a publicidade para accionar estas respostas, garantindo pequenos picos nas vendas, ou nos índices de recordação… que rapidamente são ultrapassados, assim que chega a vez da concorrência accionar a sua resposta.

No meio disto, quem se lixa somos todos nós, os consumidores, que em vez de termos opções reais e diferenciadas, temos marcas a fazer rigorosamente a mesma coisa, mas que trocam os momentos de pressão publicitária e consequente ‘liderança de mercado’ entre elas, menosprezando a criação de valor para nós o que acaba por fazer com que nós não criemos valor para elas.

Claro que esta táctica destrói qualquer marca e obriga a gastar muito dinheiro apenas para arrastar a agonia. Vamos ver até quando.

Nos mercados mais evoluídos há espaço para todas as formas de pensar e actuar e as marcas mais sofisticadas, já perceberam há muito tempo que além do seu marketing mix, tem de haver sempre lugar para ouvir outras ideias, tentar outras coisas, correr alguns riscos e confiar nos seus parceiros, novos ou do costume. Elas sabem bem que é assim que vão conseguir estar sempre a acrescentar valor e enquanto nós vivemos neste ambiente de hostilidade, por lá vendem-se startups por 19 mil milhões de dólares.

Mais uma vez, acredito que a culpa também é das agências de publicidade, que como li num tweet recente da agência R/GA, falharam na tarefa simples de convencer o mercado que existem precisamente para criar valor.

Agora só criam anúncios.

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