Pra não dizer que não falei das flores

19 de fevereiro de 2015

Pra não dizer que não falei das flores

Elizete de Azevedo Kreutz, Presidente do Observatório de Marcas, Editora Regional da revista científica BrandTrends e professora-investigadora da Univates - Brasil

As décadas de 60/70 do século passado, mais intensamente nos anos de 66, 67 e 68, o Brasil viveu um fértil período na Música Brasileira. Gil, Caetano, Chico Buarque, Tom, Elis, Geraldo Vandré e tantos outros garotos e garotas de classe média, com vinte e poucos anos de idade, formados (em sua maioria) em escolas públicas e na Bossa Nova, enfrentavam não apenas o júri, mas uma plateia impiedosa que levava ao extremo suas manifestações, a favor ou contra o candidato ao prémio de melhor canção.

Em plena Ditadura Militar, letras eram “caçadas”, os microfones “apagados”, mas eles seguiam “Caminhando e Cantando e Seguindo a Canção”. E o Festival de 67 – da Record foi o marco dos festivais e “uma noite de 67”, de Terra e Calil (Planeta, 2013), revela os bastidores, as emoções, os pensamentos, as motivações… tudo que marcou aquela época, o auge da “era dos festivais”.

Em 1968, “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, não ganhou o primeiro lugar no Festival, mas se tornou o hino de resistência do movimento civil e estudantil. Neste mesmo ano, uma adolescente, uma marca que completava seus 15 anos de idade, começava a alça voos, conquistar seu espaço e orgulho do povo brasileiro. Foi neste ano que a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A., empresa de capital aberto, cujo maior acionista é o Governo Brasileiro) criou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Cenpes), para atender as demandas tecnológicas e que começou a o petróleo no mar e descobriu o tesouro brasileiro no fundo do Oceano Atlântico (Campo de Guaricema/Sergipe).

Nos anos que se sucederam, por meio de muita pesquisa, desenvolvimento de tecnologias, capacitação, internacionalização e soluções inovadoras, a marca cresceu em atuação no espaço geográfico e no mercado, estando em 25 países no segmento de energia, especialmente na áreas de exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo e gás natural.

A Petrobras é líder mundial no desenvolvimento de tecnologias para exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas.  A marca bateu recorde brasileiro de profundidade de perfuração, em 2005, e atingiu a autos suficiência em 2006. E, além disso, obteve títulos importantes, como podemos citar alguns deles:

1992 – recebeu o prémio máximo em tecnologia conferido nos EUA, o ‘OTC Distinguished Achievement Award’, por ser a empresa que mais contribui para o desenvolvimento tecnológico da indústria offshore (que trabalha em alto mar);

2001 – o projeto Roncador recebeu o “Distinguished Achievement Award – OTC’2001″, tornando-se uma referência tecnológica para o mundo do petróleo e confirmando a liderança da Petrobras em águas profundas;

2003 – aos 50 anos, a Petrobras dobrou a sua produção diária de óleo e gás natural;

2007 – foi descoberta a maior jazida de óleo e gás natural do país, em Tupi, na Bacia de Santos;

2008 – primeiro lugar no ranking como a petroleira mais sustentável do mundo;

2009 – 4o.  lugar entre as empresas mais respeitadas do mundo;

2010 – efetuou a maior capitalização em capital aberto da história: 72,8 bilhões de dólares (127,4 bilhões de reais). Em termos de valor de mercado, também passou a ser a segunda maior empresa de energia do mundo;

2011 – 5o. Lugar em “Maiores Petrolíferas de Capital Aberto no Mundo”;

2012 – é a marca mais valiosa da América Latina, avaliada em US$ 10,5 bilhões;

A Petrobras acumulava outros grandes feitos que a honravam o orgulho que a nação tinha de sua marca que, desde outubro de 1958, todos diziam: “O petróleo é brasileiro”. Contudo, a má gestão da marca, a corrupção mudou o cenário e em outubro 2013 ganhou um outro título: “a mais endividada do mundo”. Neste mesmo ano, o ranking da mais valiosas marcas brasileiras apontava a Petrobras como a segunda, com 5,762 bilhões de dólares. E não parou por aí, a Operação Lava (a) Jato inicia suas atividades em março de 2014, para apurar e revelar o esquema de lavagem de dinheiro. O nome dessa investigação da Polícia Federal do Brasil foi escolhido devido ao fato da existência de rede(s) de lavanderias e postos de combustíveis que a(s) quadrilha(s) usava(m) para movimentar dinheiro de origem ilícita.

Conforme a Operação ia revelando o esquema, a marca Petrobras ia perdendo não apenas a reputação positiva, mas o valor de sua marca. No mesmo ranking de 2013, em que era a 2a. mais valiosa, a Petrobras aparece em 5o. Lugar, na categoria energia no ano seguinte, em abril de 2014,  com o valor de marca de 3,252 bilhões de dólares – com uma variação de -44%.

As sucessivas revelações da Operação Lava (a) Jato provocaram sucessivas quedas de valor da marca Petrobras. As principais manchetes dos jornais brasileiros (e mundiais) contêm as mesmas mensagens, como  “Petrobras perde R$ 21 bi em valor de mercado na semana; bolsa cai” (Globo Economia – 30/01/15) e os gráficos são assustadores até para quem nada entende de economia nem de gráficos (Graf. 01)

Petrobras.001

Gráfico 01: Petrobras
Fonte: Globo Economia – 30/01/15

Sem dúvidas, este é um forte contraste com a manchete de 2011: “Única empresa latino-americana entre as 100 mais respeitadas do mundo”.

Como já vimos em outras ocasiões, a marca é uma representação simbólica multissensorial, construída (ou destruída) socialmente, por meio do seu Discurso Multimodal. E, por Discurso Multimodal da Marca, entendemos como todos os atos sociais da marca, atos de cada um de seus membros, atos de cada um de seus públicos.

Enquanto marca, perguntamos o que acontecerá com a Petrobras? Mas a crise não abala só essa marca, muitas outras estão sofrendo com as ondas de propagação, como a Rolls-Royce, que apareceu nas últimas notícias como uma das envolvidas no esquema. Este suposto envolvimento, teve uma repercussão negativa na imprensa internacional  e já fez com que as ações da Rolls-Royce caíssem 0,7% na segunda, dia 16/02, na Bolsa de Valores de Londres.

Com a chamada Ontem, hoje e sempre superando desafios – quase um apelo religioso! – a Petrobras apresenta o “problema de corrupção” (que estima-se que vem ocorrendo a cerca de 15 anos) como um dos desafios a ser superado. A superação é a melhor resposta, segundo o comercial (filme publicitário) de 2015.

Enquanto isso, milhares de antibranding correm pelas redes, inclusive com marchinhas de Carnaval.

E por falar em Carnaval, a Vai-Vai fez um tributo à cantora Elis Regina, aquela da Era dos Festivais, e consagrou-se a Campeã do Carnaval de São Paulo. Para os comentaristas do desfile,  “No Ciclo da Vida, a Voz Fez Seu Destino”, não conta a vida de Elis, mas coerentemente vai amarrando a Vida de Elis, no enredo e na performance de todos os membros escola.  E a coerência é um dos principais ingredientes no Discurso Multimodal da Marca.

E por que mencionar o Carnaval agora? Além de ser uma das maiores festas populares que acalma os ânimos, ocorreu o fato que mesmo em tempo de crise a Petrobras manteve o patrocínio ao Carnaval do Rio e de outras cidades, gerando mais críticas a seu respeito.

Para a Marca Petrobras, esta é uma crise sem precedentes, que não apenas mancha sua história, mas a história do país e acaba com o orgulho da nação, marcado no slogan de 1953 quando a Petrobras foi criada: “O Petróleo é brasileiro!”.  A marca terá que fazer mais do que um vídeo publicitário, “Ontem, hoje e sempre superando desafios”, que conte a sua vida para superar os desafios e reestabelecer a confiança e o valor de sua marca.

Talvez Vandré tenha razão: as flores vencem o canhão!

Que desfrutem: https://www.youtube.com/watch?v=wkEGNgib2Yw

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