É fácil deixarmos de prestar atenção aos detalhes quando vivemos os dias a correr, gerindo ou tentando gerir a montanha de informação que nos chega por todos os lados.
Ainda há alguns dias correu nas redes sociais um trecho da Ultimate Fighting Championship, com títulos que mencionavam ser a gravação em vídeo do momento em que um dos lutadores, o brasileiro Anderson Silva, parte a perna numa cena supostamente horrorosa de se ver. Assisti apressadamente aos 18 segundos de registo e não reparei em qualquer lesão na perna do lutador que recebe uma espécie de pontapé do adversário. Só depois me explicaram que o brasileiro não era o que recebia a agressão, mas o próprio agressor. Confesso que não sabia quem era o tal do Anderson, visto interessar-me tanto por essas lutas como pelas corridas de galgos albinos do Iêmen. Assim, num visionamento mais orientado pude reparar que a pernoca do tal Anderson parece feita de Jelly-Já quando desfere o golpe. Essa minha distração fez-me recordar um anúncio do VW Passat em que não se nota a presença de um leopardo até sermos alertados para isso. Olhar para o lado ajuda-nos a ver mais longe.
No seu livro “The art of looking sideways”, Alan Fletcher apresenta-nos de forma genial aquilo que se pode chamar visual intelligence, procurando (e encontrando) formas de manipular a percepção do mundo explorando a visão, a mente e a imaginação através da utilização de tipos, espaços, cores e imagens. Editado em 2001, quando o autor e designer contava já com 7 décadas vividas, é um trabalho notável de reinterpretação da realidade, ou seja, de Criatividade. Inspira-nos a olhar para o que nos rodeia por um prisma diferente do habitual, geralmente nos fazendo sorrir.
Pela altura do Natal fui visitar um amigo a casa. Até aí nada de mais, visitas de Natal pela altura do Natal é coisinha tão original como usar havaianas no verão. O que essa visita teve de extraordinário foi o facto desse amigo conseguir ter espírito para achar graça à sua condição física e à incapacidade das pessoas perceberem o que tenta pronunciar. Sofre de uma doença degenerativa e, preso à sua cadeira ri-se das interpretações que tentam fazer daquilo que ele tenta dizer. É notável a sua capacidade de mostrar um sorriso largo, quase uma gargalhada, quando seria tão mais fácil deixar-se encavernar na cinzentice da tristeza. Também saí de lá sorrindo.
Ver o outro lado das coisas é um exercício fundamental para qualquer criativo, mas não sendo o mundo perfeito é seguramente importante para toda a gente. O Alan sabia e o Miguel também sabe disso.
Repito, é fácil deixarmos de prestar atenção aos detalhes quando vivemos os dias a correr, gerindo ou tentando gerir a montanha de informação que nos chega por todos os lados, e em 2014 não será diferente. Cabe-nos a nós conseguirmos ver a vida com outros olhos, às vezes com olhos de jacaré. E eventualmente sorrirmos.
* Jacaré – do Tupi Guarani jaeça-caré = aquele que olha de lado
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