O óbvio e o original

2 de agosto de 2013

O óbvio e o original

João Geada, King of Lalaland

Era uma vez um óbvio que como o próprio nome indica, era completamente desprovido da capacidade de surpreender e por isso mesmo, óbvio.

O óbvio não tinha nenhuma característica realmente distintiva, era estruturalmente semelhante a qualquer outro, falava com as mesmas pessoas que todos os outros, usando as mesmas palavras e os mesmos comportamentos óbvios. As suas interacções com o universo eram senão iguais, muito parecidas com as interacções que os outros faziam. O que produzia era óbvio, o que representava era óbvio, tudo nele era óbvio.

Se é verdade que tinha um nome diferente e tinha a sua função no mundo, que mesmo sendo óbvia era sua, tudo isso acabava por passar despercebido, porque o óbvio era tão óbvio e fazia as coisas de forma tão óbvia que ninguém o via de outra forma que não levasse a achá-lo óbvio.

Mas o óbvio não gostava de ser óbvio e acreditava que se podia sair melhor nos negócios e na vida se fosse diferente, por isso contratou uma série de especialistas a quem pagava bastante dinheiro para fazer dele um óbvio menos óbvio, o que seria tarefa difícil porque além da própria forma como foi criado ser ela própria um bocado óbvia, até esta atitude de querer ser diferente era expectável, para não dizer óbvia.

Óbvio que quando se é óbvio a tendência natural é procurar a ajuda mais óbvia e com profissionais óbvios, logo tudo o que estes especialistas conseguiam fazer, era produzir mais coisas óbvias que acabavam por manter o óbvio totalmente óbvio.

O óbvio era tão óbvio que mesmo quando tentava fazer coisas menos óbvias, acabava por ir buscar assuntos ou temas óbvios, acabando mais uma vez numa redundância de coisas óbvias que não ajudavam o óbvio a sair do óbvio, mesmo que lhe desse a sensação que o estava a conseguir, porque segundo os seus próprios padrões estava a ser menos óbvio, mas o resto do mundo continuava a achar aquilo tudo demasiado óbvio.

No fundo era um perpetuar do óbvio em si mesmo,  mas o óbvio acreditava, que como um dia, já há muito tempo, fazer as coisas que hoje são óbvias trazia resultados, lá ia teimosamente mantendo aquela espiral de mais do mesmo que, obviamente, não o estava a ajudar a deixar de ser óbvio.

No meio disto tudo o óbvio esqueceu-se da coisa mais óbvia de todas: o sucesso dos óbvios mais antigos deu-se precisamente, porque em determinada altura eles foram originais e foi isto que fez e vai sempre fazer toda a diferença.

O original é uma coisa fantástica. Ou então não é. Mas se há coisa óbvia, é que o original não é óbvio e por isso, mesmo que seja um mau original, consegue sempre surpreender.

Engraçado que a memória humana é selectiva e tende a ignorar o óbvio mas a dar muita atenção ao original. Imagino que por vivermos vidas óbvias nos faça falta o original, por isso sempre que o encontramos, sempre de uma forma inesperada e pouco óbvia, sem qualquer esforço, reparamos nele.

É verdade que temos dificuldades em aceitá-lo assim à primeira, obviamente estamos todos muito mais habituados ao óbvio, mas quando se torna óbvio que o original é original ficamos inevitavelmente encantados com ele e dificilmente lhe vamos ficar indiferentes.

O óbvio, embora seja naturalmente óbvio, tem uma adoração pelo original, mas como tem dificuldade em produzir algo assim, copia-o.  Como é óbvio, o óbvio não percebe que o original quando é copiado, deixa de o ser. Se for mesmo muito copiado, até corre o risco de se tornar óbvio.

Felizmente o original é sempre fresco e por muito que o óbvio persista e insista em torna-lo mais óbvio, o original terá sempre o estranho e imenso poder de se reinventar, de renascer sempre diferente e para grande desgosto do óbvio, sempre original. Obviamente.

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