O MERCADO QUE MERECEMOS

11 de fevereiro de 2014

O MERCADO QUE MERECEMOS

João Geada, Zé da Zémaria

A reflexão e experiência dos últimos anos fez-me chegar à tenebrosa conclusão  que o estado actual do mercado das indústrias criativas é culpa das lideranças das agências, posição na qual envergonhadamente me incluo.

Os clientes, contra os quais dirijo muitas das minhas críticas, apenas tem a culpa de lutar pela vida, como se costuma dizer, com os seus recursos intelectuais, financeiros ou culturais, fazendo-se obviamente valer do seu poder, isoladamente ou em conjunto, ou seja, na realidade não têm culpa nenhuma.

Do lado das agências, as lideranças, salvo raras excepções, são normalmente ocupadas por pessoas que vem do lado comercial, o que significa que são, ou foram, bons vendedores e por o serem subiram na hierarquia empresarial. Acontece que um vendedor que vende uma coisa que nunca foi produzida directamente pelo seu esforço físico ou intelectual, ou tem um amor pelo produto semelhante aos seus criadores, ou é capaz de vender a própria mãe para conseguir fechar um bom negócio.

Com este espírito a liderar, o medo de perder clientes ou simplesmente de não os ganhar, foi sempre muitíssimo superior ao brio profissional. O resultado está à vista, a agência líder é provavelmente a que mais concessões fez e faz e marcou o passo para a decadência do valor das boas ideias. Claro que o mercado aproveitou-se das nossas fragilidades para ter o trabalho feito como quer e pelo preço que quer, não estando particularmente preocupados, principalmente numa altura como esta, em garantir o crescimento das marcas com trabalho realmente bem feito, preferindo amortecer as quedas nas vendas comunicando apenas para não ser esquecido e pagando remunerações que não dão sequer para manter estagiários.

Estou farto de remar sozinho contra a maré e como acredito que as agências não tem de, nem devem ser todas iguais e estar no mercado da mesma maneira, acho preferível criar opções claras, que estarmos todos a afundarmo-nos, ainda por cima exactamente da mesma maneira.

No inicio do ano, enviei o email que aqui replico em parte, para os responsáveis das principais agências criativas, independentes e nacionais.

[] sei que fazem parte de um restrito grupo de profissionais que colocam o poder das boas ideias, a dignidade, o humanismo, o respeito e a integridade acima de outros valores, incluindo o da facturação. 

O nosso mercado está como está. Não vale a pena iludirmo-nos que vai melhorar substancialmente, porque todos sabemos que décadas sucessivas de selvajaria orientada para o lucro pelo lucro, com muitos golpes baixos, muito baixar de calças, muito dumping, muita falta de respeito pelos outros e por nós próprios, fizeram do nosso negócio uma coisa decadente, com muito má imagem, com a credibilidade destruída e completamente abusada por todos os que se aperceberam das nossas fragilidades e que vão continuar a aproveita-las para nos explorar mais e mais.

Gostava que todos nos orientássemos pelo mesmo conjunto de valores e que, fazendo melhor ou pior, não abdicássemos do essencial e estivéssemos sempre unidos no propósito de dignificar o nosso trabalho e defender o nosso profissionalismo, mas também sabemos todos que temos no mercado agências [] que tem como filosofia o vale tudo e que não serão os esforços de associações que fazem parte do sistema [] que irão conseguir mudar este status quo.

Nesse sentido, escrevo-vos para vos propor a criação de um movimento novo [] composto apenas por agências independentes, lideradas por criativos e que coloquem os valores mencionados à cabeça do negócio, unidos na causa única de dignificar o nosso trabalho e de nos diferenciarmos das [] que destroem a nossa profissão.

[] Deixo-vos a ideia e coloco-me já ao dispor para organizar uma sessão com todos para discutirmos o tema e encontrarmos a melhor forma de dar corpo a esta ideia e fazermos definitivamente alguma coisa para melhorar o mercado. Ainda que poucos e pequenos, juntos temos muita força. 

[] acredito mesmo que precisamos de nos mexer e não vou parar enquanto não puder trabalhar num mercado que podia ser absolutamente delicioso, e que está como está.

Para já, embora lamente que duas agências já tenham declinado e que algumas nem se tenham dignado a responder, fiquei feliz por cerca de metade dos contactados ter aceite pelo menos conversar sobre o tema.

Enquanto há vida, há esperança e a criatividade nacional está bem, só precisa de força para voltar ao lugar que merece e para termos também o mercado que merecemos.

Vamos a isto.

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