Quando uma marca tem um percurso de 75 anos, como é o caso da Sagres, deve ou não resgatar as histórias nunca antes contadas, as memórias, as curiosidades e os testemunhos mais admiráveis e inesperados? Deve ou não partilhar sensações, lembranças e experiências que as pessoas guardam da sua relação direta com a marca? Eu acredito que sim. A memória das empresas é um dos seus maiores patrimónios – que muitas vezes é também um património do país e do mundo. Memória é reputação e, quando bem utilizada, traz inúmeros benefícios à organização e contribui para aproximar clientes, colaboradores, parceiros e a comunidade em geral. É por isso que o projeto do I’M a Brand – parceria entre o Imagens de Marca e a Have a Nice Day, que pretende contar em formato televisivo e em livro as histórias de algumas das marcas mais sedutoras presentes em Portugal – faz cada vez mais sentido.
Não estou a falar apenas do passado. A história de uma empresa tem a ver com valores e experiências que dão sentido aos acontecimentos que marcam a trajetória de uma empresa. Como dizia o historiador francês Marc Bloch, “a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado”.
Acontece com as empresas aquilo que acontece com a nossa carreira. Para compreender a nossa trajetória profissional, é preciso considerar a nossa história – de vida, na faculdade e nas relações com as pessoas e empresas pelas quais passámos. De onde viemos, onde estudámos, que amigos tivemos. Os valores, crenças e propósitos de cada um de nós foram burilados nos caminhos que percorremos.
Com as organizações acontece o mesmo. A história de uma empresa é a base para entendermos a sua cultura, valores, crenças e sonhos. A cultura Sagres também é fruto das experiências que teve no passado, como surgiu e cresceu, a sua ligação à Portugalidade, a relação de amor que tem com Portugal e os portugueses.
Num mundo em que a competição é feroz e evidente, é preciso diferenciar as marcas através da sua cultura. Acredito cada vez mais que o caminho é investir na comunicação das histórias das empresas, disseminando-as entre públicos estratégicos, usando e abusando do storytelling e da emoção que ele traz ao universo por vezes cinzento das empresas.
Esta preocupação de resgate da memória estende-se das empresas para o mundo. Criado em 1992, depois da destruição da Biblioteca Nacional de Sarajevo, o Programa Memória do Mundo da UNESCO pretende preservar e assegurar o acesso a documentos de “significado mundial”. Isto acontece porque o mundo reconhece que tem uma responsabilidade de preservar a memória para as gerações vindouras. Já foram registados mais de 350 itens – há desenhos, fotografias, textos e filmes –, a maioria da Europa e da América do Norte.
Como se pôde ler recentemente numa reportagem na revista Sábado, apesar de todas as controvérsias, o Programa Memória do Mundo continua a crescer. “A seleção é feita por 14 especialistas, sobretudo diretores de bibliotecas nacionais, que avaliam, de dois em dois anos, a influência mundial das candidaturas. Depois cabe a cada país preservar os documentos”. Da lista, onde não faltam documentos portugueses, fazem parte itens tão díspares como o primeiro mapa-múndi que inclui a América, de 1507, e O Diário de Anne Frank.
Em Portugal, a Torre do Tombo está a preparar a candidatura, com Macau, das chapas sínicas, ao Programa Memória do Mundo. Os 3.600 documentos que ilustram as relações luso-chinesas desde 1693 poderão juntar-se ao Tratado de Tordesilhas, Corpo Cronológico dos Descobrimentos, Diário da Viagem de Vasco da Gama à Índia e à Carta de Pero Vaz de Caminha sobre o Brasil que já fazem parte do Programa Memória do Mundo.
Isto é muito relevante. Porque falar em memória coletiva é falar de identidade social, afinal somos seres históricos. É a acumulação de referências de outras épocas que formam a estrutura da sociedade em que estamos inseridos. A bem do presente e do futuro.
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