Levanto os olhos do jornal e olho pela janela à procura de uma referência visual para saber onde me encontro. Num instante fico orientado, e mal de mim se não o fizesse após 25 anos de percurso na linha Cascais-Lisboa. Talvez daqui a alguns anos me perca, mas nessa altura certamente não estarei a caminho de nenhum compromisso senão com o fim da linha. Aproveito e observo os turistas que por sua vez observam a paisagem, apontam para o Bugio e para a Torre de Belém, deslumbram-se com o Mosteiro dos Jerónimos e admiram a ponte 25 de Abril. Um prémio mais do que merecido para os que conseguiram ultrapassar o martírio da aquisição dos seus títulos de transporte nas bilheteiras automáticas da CP, que possuem de longe um dos piores interfaces do mundo.
Trabalhando no coração da Baixa lisboeta perco sempre alguns minutos observando o comportamento dos visitantes, que vêem a cidade como eu um dia também a vi, surpreendente nos seus detalhes enriquecidos pela luz especial que só existe aqui.
É fácil nos entediarmos e ignorarmos o que nos rodeia quando andamos de um lado para o outro, atrasados para os compromissos que são sempre mais do que os que deveríamos ter assumido; quando os sinais teimam em ficar encarnados de propósito só para nos tomar mais do tempo que não dispomos.
No meio dessa azáfama é comum ignorarmos as marcas que se atravessam à nossa frente, quando elas não fazem nada para sobressair senão estarem estampadas na lateral de um autocarro que não nos dá passagem, no canto superior esquerdo ou inferior direito da primeira página do jornal cheio de notícias, ou centradas no alto de um prédio que chora a sua triste fachada gotejando dos seus ares condicionados.
As marcas tornam-se commodities quando apenas cumprem o seu papel, porque hoje em dia é mais fácil atingir esse patamar graças à democratização dos recursos. A diferença, cada vez mais, faz-se pelo factor humano. Como antigamente!
Há dias numa antiga drogaria, em Santos, vi na montra um artigo invulgar: um after shave em pedra (!) da marca 444. Adquiri-o após ser informado das propriedades terapêuticas daquele produto pelo proprietário da loja, que despediu-se de mim com a gentileza idêntica à que seria reservada ao mais habitual dos seus fregueses. E eu nunca tinha lá estado! Saí duplamente satisfeito: pela compra de um produto notável e pela alegria de ser atendido com genuínos sorriso e simpatia.
Se a loja das famosas máquinas de café espresso na rua Garrett da nossa linda Lisboa conseguisse tratar os seus clientes com um quinto dessa amabilidade garanto que sairia a ganhar. Por comparação, a minha experiência na loja de uma marca nacional ‘qoncorrente’ é muito superior, demonstrando que, afinal, há quem saiba que quando se trata de marcas é de pessoas que estamos a falar.
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