Quando pensamos num rebranding quase automaticamente idealizamos a transformação dos elementos visuais da marca, o lettering, o símbolo, as cores. Como um amigo arquiteto ontem mesmo salientava, uma marca pode ser expressa de muitas outras maneiras, na estrutura de um edifício por exemplo, e a Casa da Música é o nosso melhor exemplo disso. Ao que consta, o briefing solicitava que se evitasse a representação gráfica do prédio, uma solução relativamente comum no caso de instituições congéneres, mas o designer não foi capaz de o ignorar. E fez bem.
Esta semana o sr. Joseph Aloisius Ratzinger anunciou a sua retirada, abandonando o cargo de successor de São Pedro, numa atitude inédita nos últimos quase 600 anos (o papa Gregório XII fez o mesmo, por razões distintas, em 1415). Também foi inédita a sua entrevista televisiva e a sua recente adesão ao Twitter, seguindo outros tantos líderes religiosos e políticos. Penso que tal como Sagmeister, fez bem, se me permitem a heresia de opinar sobre as decisões do sumo pontífice.
Não vou comentar a atitude de Bento XVI, mas o que esse fato me levou a pensar sobre a marca que ele representa, provavelmente a mais difundida em todo o mundo.
Olhei pela primeira vez a Igreja Católica enquanto marca há mais de 25 anos quando vi o Papa João Paulo II passar por mim no seu Papa Mobile branco, numa rua secundária de San Francisco, sem alarido nem multidões. Vindo do Brasil onde qualquer visita papal era um acontecimento maior do que qualquer Corinthias vs. Flamengo em final de campeonato, fui confrontado com outra realidade, onde os valores da marca eram questionados por uma grande parte da população. E não ardiam no inferno!
Detentora de um símbolo tão forte quanto memorável, facilmente representável e identificável (dois riscos cruzados, genial!), possui também um storytelling bem estruturado para suportar os seus valores de marca, apresentados num manual que é de longe o maior bestseller de sempre, desde que Guthemberg teve a ideia de o reproduzir. Ainda há dois anos o redesign da bíblia por uma agência alemã foi a peça mais debatida no juri de Design dos prémios do Art Directors Club of Europe, em Barcelona, porque os valores que representa misturaram-se com o seu aspeto material. Apesar dos ânimos inflamados like hell, ganhou ouro, casando bem com uma das cores institucionais da marca.
A inesperada resignação de Ratzinger gera uma perceção positiva para a marca, criando buzz e demonstrando que mesmo uma marca com mais de 2000 anos pode e deve se mexer se quiser continuar no top. Principalmente quando se vê atingida nas suas bases face a escândalos de pedofilia e posições questionáveis relativamente à prevenção do HIV, por exemplo.
Com a necessidade de escolher um novo líder, a Igreja Católica tem agora a oportunidade de promover um rebranding com vista a um melhor posicionamento, sem alterar a cruz ou redesenhar a Santa Sé. E será mais eficaz se não comunicar em latim.
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