Carta de referência

21 de maio de 2013

Carta de referência

José Carlos Campos, Director Criativo Executivo da Strat e fundador da marca NATA Lisboa

Anos 30. A moça tinha um nome: Maria Papoila. Era pastora na Beira. Um dia decidiu abandonar a sua Pampilhosa da Serra. Veio trabalhar na capital. Como ela vieram milhares nas três décadas seguintes. Todas jovens, algumas bem jovens, rurais e na sua maioria analfabetas. E que o vinham fazer? Servir. Trabalhar como criadas internas. Nos anos 60 a arquitectura leva em conta esta nova realidade social. As plantas das novas habitações passam a contar com um novo quarto: o quarto da interna. Outro facto comum eram as transferências das internas e as famigeradas cartas de referências. Um documento importante para averiguar da qualidade da interna junto da nova patroa. É justamente aqui que quero chegar. Às cartas de referência. Às referências.

Ser uma referência seja porque se é excelente em arquitectura, engenharia ou medicina é gratificante, é bom. Torna-nos num foco. Os países têm referências. A Alemanha é uma referência na investigação científica, na indústria automóvel, na área ambiental. A Itália é uma referência na arquitectura e no design. A França é uma referência na gastronomia e na moda. Ser uma referência exige planeamento, esforço, tempo e trabalho. A comunicação publicitária não é distinta: cada país tem as suas referências, que habitualmente são premiadas nos grandes festivais mundiais: Cannes Lions, Clio Awards, El Ojo Iberoamerica, D&AD, One Show. Os Estados Unidos tem a R/GA, a Droga 5, a Wieden & Kennedy. A Argentina tem a Del Campo Nazca Saatchi & Saatchi, a Del Campo Nazca Saatchi & Saatchi, a Ponce, a Ogilvy. O Brasil tem a Alma BBDO, a África, a DM9 DDB. A Bélgica tem a Duval Guillaume Modem. A França Fred & Farid.

E Portugal? Se tivesse que escrever uma Carta de Referência para o mercado mundial o que escreveria? Uma pergunta para a reflexão de todos na semana em que começa o Festival do Clube de Criativos cujo o tema é “O Desconforto faz-te crescer”. Pessoalmente, sinto-me desconfortável com a pergunta porque não saberia o que escrever. O mercado não tem crescido, apesar do desconforto diário dos bons criativos que habitam o nosso mercado.  É tempo de avaliar.  De partir para uma nova fase (já devíamos tê-lo feito há algum tempo) com uma estratégia do mercado criativo português perante o mundo (outros países fizeram isso com um tremendo sucesso). Sei que este processo não depende só dos criativos. Depende de todos os que pertencem a esta indústria. É decisivo que todos participem no grande festival do Clube de Criativos de Portugal (parabéns Susana Albuquerque e restante direcção do CCP).  Que sirva de estímulo para um novo futuro. Que Portugal deixe de ter agências de referência nacional e passe ter agências de referência mundial.

O meu desconforto é o de perceber que Portugal tem capacidade de dar mais. Mas que se contenta com as excepções. Acreditem a competição não é aqui. É no palco mundial. Porque a criatividade também se exporta.

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