A Internet e a Democracia

22 de maio de 2014

A Internet e a Democracia

Diretor de Internet e Serviços Móveis do Meo

Os gigantes da internet estão cada vez maiores e o que começou por ser uma plataforma para todos é cada vez mais o feudo de poucos. Diariamente surgem notícias sobre abusos cometidos por estas grandes empresas e infelizmente parece haver cada vez menos capacidade para lhes fazer frente.

Está seguramente na memória de todos a perseguição que foi feita à Microsoft há não muito tempo atrás por acusações de abuso de posição dominante e os remédios e multas pesadíssimas que lhe foram impostas, mas hoje há práticas bem mais lesivas da concorrência que passam incólumes.

Esta semana a Apple decidiu retirar do seu Marketplace um jogo chamado Weed Firm, o jogo mais popular em iOS nos Estados Unidos. É uma espécie de Grand Theft Auto para tráfico de marijuana e seguramente terá deixado os executivos da empresa algo incomodados, mas o que é preocupante nesta atuação é que o fizeram escudados nos termos e condições que lhes permitem retirar aplicações do Marketplace “porque sim”, não dando explicações sobre o porquê dessa decisão e muito menos atuando de forma equitativa perante todos os developers uma vez que continuam disponíveis muitos outros jogos e aplicações a versar sobre o mesmo tema. Será que o problema deste jogo foi ter chegado aos tops?

Recentemente houve também um episódio em que uma aplicação submetida por um operador foi rejeitada existindo já no mercado uma outra exatamente igual de um operador concorrente (era necessário disponibilizar a aplicação por operador porque a autenticação é feita pelo cartão SIM dentro da própria rede do cliente). A Apple nem sequer se deu ao trabalho de explicar porque é que não deixava entrar, e mantinha no Marketplace uma aplicação em tudo igual à que acabava de rejeitar.

Outro sinal preocupante vem dos Estados Unidos onde o debate da neutralidade da rede está ao rubro e muitos OTT que no princípio defendiam a neutralidade, agora que são grandes e querem defender a sua posição no mercado já acreditam que faz sentido poderem pagar para darem melhores ligações de internet aos seus clientes (e num caso extremo, o Google quando começou a investir na sua rede de fibra ótica passou a achar perfeitamente natural poder diferenciar o acesso de determinados serviços na sua rede).

Não são casos únicos, veja-se o exemplo do Facebook onde muitas marcas investiram significativamente para criar uma base de fãs e agora são obrigadas a pagar para poder comunicar com eles. E é precisamente a tendência que se está a tornar preocupante.

Estas grandes empresas da internet, apesar das declarações de princípio e das missões altruístas que advogam, são antes de mais empresas com um objetivo de lucro, o que é perfeitamente aceitável. O que me parece perigoso é a visão romanceada/deturpada que os consumidores têm destas empresas e a dimensão que estão a atingir, quase todas com footprint global, colocando sérias ameaças ao direito de concorrência e em última instância à defesa do consumidor.

No marketing esta questão é particularmente relevante porque todos nós já fomos vítimas das constantes alterações de regras e modelos de negócio, tipicamente prejudicando o anunciante, e estamos “reféns” de algumas, poucas empresas que dominam a internet. Claro que não podemos ignorar estes meios nos nossos esforços de comunicação, mas estrategicamente devemos ter a capacidade de construirmos a nossa presença no mundo digital de forma a não estarmos tão dependentes destes players para termos maior capacidade de reação às mudanças futuras, que tudo indicam, serão na mesma direção nefasta.

Avalie este artigo 1 estrela2 estrelas3 estrelas4 estrelas5 estrelas
2 votos
Loading ... Loading ...

Comentários (0)

Escreva o seu nome e email ou faça login com o Facebook para comentar.