A bipolaridade em que vivemos

15 de outubro de 2012

A bipolaridade em que vivemos

As convulsões sociais dos nossos tempos, a evolução do acesso à informação e o facto de estar mais velhote, e talvez mais sensato e ponderado têm-me levado a analisar com muita curiosidade o estado das coisas e a chegar a algumas conclusões que me assustam um bocadinho.

Uma delas é o incrível estado de bipolaridade em que vivemos, uma enorme esquizofrenia de valores que só podia ter resultado nesta crise absurda, que para mim ultrapassa em larga escala a crise financeira e que só é superada pela falta de respostas para sair dela.

Na prática a coisa resume-se a isto: Se por um lado somos criaturas preocupadas com a justiça e bem estar social, a igualdade de oportunidades e a protecção dos mais fracos, quando assumimos o nosso lado ‘corporativo’ ou ‘empresarial’ seguimos as leis de mercado, que são basicamente iguais às leis da selva, ou como Darwin lhe chamava, as leis da ‘sobrevivência dos mais capazes’.

Se quando estamos de t-shirt vamos para a rua lutar por direitos humanos, quando pomos a gravata, a nossa intenção é esmagar a concorrência, sugar-lhe todo o mercado, deixá-la sem espaço de manobra. E quando a coisa nos corre mesmo bem, ganhamos batalha após batalha e acabamos por vencer a guerra, palmando as quotas de mercado dos outros e aniquilando a concorrência sem qualquer dó ou piedade.

É aí que a sociedade nos começa a tratar mesmo bem. As nossas conquistas são enaltecidas e recompensadas, normalmente com mais poder e prestigio, e com mais acesso à principal arma dos tempos modernos, o dinheiro.

Mas como a concorrência são pessoas, o que fazemos não é só dar cabo das empresas que nos fazem frente, é acabar com os seus empregos e com as suas remunerações, deixá-los entregues às crescentes injustiças sociais, entregues aos bichos na tal selva que é o mercado.

Não é esta a intenção final de qualquer departamento de marketing? Liderar? Ter a maior quota do mercado ou idealmente o mercado todo?

Portanto, se por um lado usamos o cérebro para processar sentimentos de comunidade e solidariedade, por outro procuramos ansiosamente a aniquilação de todos os que se atrevem a enfrentar-nos nesta gigantesca arena e que por um qualquer acaso, não vestem a mesma camisola que nós.

O mercado é mesmo assim, trata mal os fracos, mas como o mercado somos todos, os selvagens a quem entregamos o destino das pessoas que queremos destruir com as nossas estratégias e ideias superiores, somos também nós, os fracos e preocupados com o bem estar global.

Como é que isto se resolve? Acho que deve passar por escolher um caminho único, optar entre dotar o nosso pensamento corporativo com consciência social (eu prefiro este) ou deixar o cérebro reptiliano tomar conta e esquecer a sociedade de equilíbrios, assumindo integralmente a tal ‘survival of the fittest’ sem dó nem misericórdia, como a Natureza.

Nesta bipolaridade é que duvido muito que vamos lá.

 

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