Expectativas. Nascemos com elas. Aliás somos a própria expectativa desde que o nosso coração começa a bater ainda no útero de quem vamos mais tarde chamar de mãe e, mais tarde ainda, a quem vamos pedir o carro emprestado, porque o pai é mais zeloso com o seu brinquedo.
Temos expectativas de tudo. De que amanhã faça sol para podermos crocodilar numa esplanada, ou de que chova para regar o jardim e não termos de o fazer. De que não haja trânsito no caminho para o trabalho, ou haja lugar à janela no comboio. De recebermos o salário ao fim do mês; de recebermos uma resposta à mensagem que enviámos ontem, ou um comentário simpático à imagem que postàmos há um minuto atrás.
Temos expectativas de um futuro feliz para os nossos filhos; de sucesso para os nossos projetos; de vitória sobre a equipa adversária, seja ela verde, encarnada ou azul. Haja canela para o pastel de nata ainda quentinho, e um cantinho de relva para assistir a um concerto no parque.
Somos uns privilegiados que não temos de ter expectativa sobre o que para nós são commodities, tal como o fornecimento de energia elétrica, o acesso à água potável e uma alimentação digna. Somos uns privilegiados com uma elevada expectativa de vida.
Há uns dias foi apresentado mundialmente o novo smartphone da marca da maçã. No mesmo instante foram mundialmente defraudadas expectativas. Quando surgiu, o iPhone foi uma pedrada no charco, mas não podemos esperar que a cada upgrade nos sintamos avassaladoramente maravilhados.
O fato é que por pouco um enorme “Oh…” não suplantou o “Om” do Universo, fazendoi cair yogues por todo o mundo. Independentemente de trazer realmente muitos aperfeiçoamentos face ao modelo anterior, a expectativa dos milhares de fans da Apple é sempre a mais alta, às vezes até irrealisticamente alta. Isso acontece porque a experiência de marca é de longe a mais bem articulada desde há anos. Ou não seria hoje a marca mais valiosa do mundo.
Quando em 1997 a Mercedes lançou o seu modelo Classe A, chocou os seus seguidores mais conservadores, que defendiam que uma marca do segmento de luxo não deveria ceder à “vulgarização” lançando um automóvel mais acessível. Apesar da marca estar segura desse seu novo e arriscado caminho, o “carrito” nem por isso. Nos primeiros tempos falhou no “teste do alce”, revelando uma instabilidade perigosa não apenas para os seus ocupantes, mas para a própria Mercedes que tem a segurança como um dos seus mais caros valores. Um enorme investimento foi feito, em engenharia e comunicação, para fazer face às expectativas frustradas do seu público mais fiel.
Uma intoxicação alimentar num restaurante é suficiente para que deixemos de o frequentar ou recomendar. Há inúmeros outros estabelecimentos alternativos onde podemos comer sem medo de me tornarmos “reis” e termos de passar um dia todo no “trono”. É fundamental que as marcas não façam m… ou facilmente encontramos outras que supram as nossas expectativas. Ou no mínimo esforcem-se para isso.
O valor de uma marca passa pela boa gestão das expectativas que cria. Da mesma forma que temos expectativas do governo do país, e nos manifestamos (com maior ou menos veemência) quando vemos que elas não estão sendo satisfeitas, temo-las em relação a todo o vasto universo de touchpoints das marcas com que lidamos diretamente todos os dias.
Praticamente todos os dias eu conto que o meu despertador Sony funcione a tempo e horas; que a minha escova Reach não se descabele à terceira escovadela; que o Público chegue à banca antes de mim; que o comboio não se atrase ou que a Via Verde não falhe e eu não tenha que parar nas portagens; que o Multibanco tenha dinheiro (e a minha conta também); que o meu Mac arranque e que eu tenha rede para poder enviar este artigo.
P.S. Espero não ter frustrado muito as expectativas dos leitores desta coluna.
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