O Brasil vive por estes dias momentos de incógnita e agitação social. O aumento do preço dos transportes públicos foi apenas a gota de água necessária para o despoletar de uma onda de manifestações, que nas últimas duas semanas, tem tomado conta de várias cidades do país. Milhares de pessoas saíram à rua em protesto contra a fraca qualidade dos serviços públicos, a corrupção generalizada e os gastos excessivos em grandes eventos de projeção internacional, como o Mundial de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Neste clima de tensão há também marcas que, voluntária ou involuntariamente, estão a ganhar destaque no meio das manifestações. É o caso da Fiat.
A marca de automóveis, que tinha lançado no início de maio no Brasil a campanha “Vem pra rua” (ver vídeo em cima) viu a sua banda sonora adotada pelos manifestantes de forma espontânea. Interpretada por Falcão, do grupo O Rappa, a canção convida as pessoas a saírem para a rua e a torcer pelo país durante os jogos de futebol da Taça das Confederações. Rapidamente a melodia foi absorvida pelas multidões, que começaram a utilizar a música para convidar mais pessoas a aderirem aos protestos nas grandes cidades.
Segundo a Veja, logo após o eclodir das manifestações, a Fiat desmentiu a sua intenção, apontada por muitos, de associar a campanha aos protestos. “Criámos uma música para chamar as pessoas para ir para a rua celebrar a Copa das Confederações, mas elas escolheram outros motivos para ir para a rua”, afirmou o diretor de publicidade e marketing da Fiat no Brasil, João Batista Ciaco. “Caiu no gosto das pessoas, mas não temos nada a ver com o movimento”, acrescentou o responsável.
Mas a verdade é que o apelo da Fiat tornou-se numa espécie de grito de guerra para grande parte dos manifestantes. A hashtag #vemprarua disseminou-se rapidamente nas redes sociais, juntando-se a outras expressões, como #ogiganteacordou e #acordabrasil. A segunda tem origem noutra campanha publicitária, desta feita concebida pela Johnnie Walker em 2011.
A marca de whisky desenvolveu na altura pela primeira vez uma campanha dirigida especificamente para um país, onde se via um gigante a despertar no Rio de Janeiro, mais concretamente no Pão de Açúcar, que no vídeo representava um joelho do enorme homem de pedra. Desenvolvida pela Neogama/BBH, a campanha foi agora recuperada e, segundo o grupo Máquina, já foram mais de 62 milhões as pessoas impactadas nas redes sociais pela expressão.
Mas será que Fiat e Johnnie Walker saem beneficiadas com esta associação? Para Miguel Caeiro, português fundador da agência de ativação de marcas The Street Brasil, as manifestações são para as marcas uma faca de dois gumes. “Se por um lado os protestos são a força civilizada, democrática, energética de um povo que decidiu manifestar-se de forma ordeira e quase em uníssono, por outro lado, alavancados pela exposição mediática desproporcional, a pequena minoria criminosa de vândalos sem quaisquer princípios leva consigo uma imagem que o Brasil e as marcas que ao movimento se associarem – voluntária ou involuntariamente – não querem de modo algum projetar”, afirma. Para Miguel Caeiro, apenas o tempo irá mostrar qual destes lados será mais forte, sendo certo que a gestão das marcas pouco ou nada poderá contribuir para o desfecho, uma vez que este será “gerido nas redes sociais e na rua, campos de ação a que mesmo os mais experientes marketeers ainda não são experts”, concretiza o responsável da The Street Brasil.
Já Bruno Nunes, diretor da agência portuguesa de marketing de guerrilha Orange Popcorn acredita que ambas as marcas saem valorizadas por estarem no “olho do furacão”. “Se o impacto sobre as vendas poderá não ser o previsto, o posicionamento da marca beneficia por conseguir agradar a «gregos e a troianos». No fundo, agrada ao povo e não pode ser criticado pela classe política. Estas marcas não impulsionaram a revolta, mas tiveram sorte de estar no centro dela sem um custo adicional. Conseguiram que as suas campanhas se tornassem numa causa de todos”, esclarece.
O marketeer considera que este fenómeno merece ser visto como um verdadeiro “case study”, tendo em conta o desígnio nacional que ganhou. “Estas campanhas acabam por ter ferramentas de PR STUNT, Marketing Viral, Marketing de Emboscada, Word of Mouth, sem que tenham sido pensadas para isso”.
Questionados sobre o facto de as restantes marcas brasileiras deverem ou não aproveitar o atual momento para ganharem notoriedade, os dois profissionais mostram-se relutantes, defendendo que as marcas não deveriam ir a reboque dos casos mencionados. “Este é um momento sensível para a gestão das marcas, bem como para o seu envolvimento voluntário, pois o risco de poderem ser interpretadas como aproveitando a «carona» pode ser extremamente penalizador. Creio que nos próximos meses, com a força e energia da mudança a superar a questão da violência oportunista destes dias, aí sim surgirão as boas oportunidades para acompanhar a nova fase da sociedade brasileira”, acredita Miguel Caeiro, que partilha, assim, a mesma opinião de Bruno Nunes.
“Abusar na promoção de valores nacionais neste momento pode ser mal entendido e visto como um incentivo à continuidade de manifestações. Todos sabemos que são atividades em massa, que a qualquer momento podem ficar descontroladas e gerar violência, e não acredito que alguma marca corra esse risco”, diz o marketeer. Para este profissional, depois do impacto das campanhas referidas, apostar numa comunicação semelhante dificilmente dará bons resultados a outra marca. “Tenho dúvidas da massiva utilização da situação por parte das marcas. (…) Acredito, sim, que é um período de oportunidade para as marcas provarem que realmente estão com o consumidor no ponto de venda, com impacto direto na economia e finanças das famílias”, defende.
Neste contexto, e como já foi referido, as redes sociais acabaram por ser o meio preferencial utilizado pelos manifestantes para a convocação dos protestos. À semelhança do que acontecera, por exemplo, com a chamada Primavera Árabe, estas plataformas parecem estar a mostrar o seu “poder mobilizador”. “Tal como já demonstrado em outros cantos do mundo, as redes sociais demonstraram que são o novo poder encantador, impactante, perigoso e aliciante. É claramente uma área onde a grande maioria dos decisores e atores da cena empresarial e política ainda é comprovadamente inábil e pouco conhecedora”, afirma Miguel Caeiro.
Mas qual o impacto das redes sociais na relação com as marcas? “Ao consultarmos as páginas oficias das marcas nas redes sociais verificamos que não se associam às manifestações, como seria de esperar. A Fiat, por exemplo, mantém a sua clara associação à Taça das Confederações, um dos motivos que acabou por «despertar» a população do Brasil. Se a campanha nas redes sociais ganhou um efeito viral fortíssimo, já a marca não me parece que tenha ganho o mesmo retorno”, acredita Bruno Nunes.
Fiat e Johnnie Walker. Dois exemplos de que como as marcas, mesmo de forma inadvertida, podem servir de inspiração àqueles que dizem estarmos perante um momento decisivo de mudança.
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