Marcas que estão a “acordar” o Brasil

26 de Junho de 2013 em Atualidade

Marcas que estão a “acordar” o Brasil

O Brasil vive por estes dias momentos de incógnita e agitação social. O aumento do preço dos transportes públicos foi apenas a gota de água necessária para o despoletar de uma onda de manifestações, que nas últimas duas semanas, tem tomado conta de várias cidades do país. Milhares de pessoas saíram à rua em protesto contra a fraca qualidade dos serviços públicos, a corrupção generalizada e os gastos excessivos em grandes eventos de projeção internacional, como o Mundial de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Neste clima de tensão há também marcas que, voluntária ou involuntariamente, estão a ganhar destaque no meio das manifestações. É o caso da Fiat.

A marca de automóveis, que tinha lançado no início de maio no Brasil a campanha “Vem pra rua” (ver vídeo em cima) viu a sua banda sonora adotada pelos manifestantes de forma espontânea. Interpretada por Falcão, do grupo O Rappa, a canção convida as pessoas a saírem para a rua e a torcer pelo país durante os jogos de futebol da Taça das Confederações. Rapidamente a melodia foi absorvida pelas multidões, que começaram a utilizar a música para convidar mais pessoas a aderirem aos protestos nas grandes cidades.

Segundo a Veja, logo após o eclodir das manifestações, a Fiat desmentiu a sua intenção, apontada por muitos, de associar a campanha aos protestos. “Criámos uma música para chamar as pessoas para ir para a rua celebrar a Copa das Confederações, mas elas escolheram outros motivos para ir para a rua”, afirmou o diretor de publicidade e marketing da Fiat no Brasil, João Batista Ciaco. “Caiu no gosto das pessoas, mas não temos nada a ver com o movimento”, acrescentou o responsável.

Mas a verdade é que o apelo da Fiat tornou-se numa espécie de grito de guerra para grande parte dos manifestantes. A hashtag #vemprarua disseminou-se rapidamente nas redes sociais, juntando-se a outras expressões, como #ogiganteacordou e #acordabrasil. A segunda tem origem noutra campanha publicitária, desta feita concebida pela Johnnie Walker em 2011 [1].

gigante_JOHNNIEWALKER_brasil [1]A marca de whisky desenvolveu na altura pela primeira vez uma campanha dirigida especificamente para um país, onde se via um gigante a despertar no Rio de Janeiro, mais concretamente no Pão de Açúcar, que no vídeo representava um joelho do enorme homem de pedra. Desenvolvida pela Neogama/BBH, a campanha foi agora recuperada e, segundo o grupo Máquina, já foram mais de 62 milhões as pessoas impactadas nas redes sociais pela expressão.

Mas será que Fiat e Johnnie Walker saem beneficiadas com esta associação? Para Miguel Caeiro, português fundador da agência de ativação de marcas The Street Brasil [2], as manifestações são para as marcas uma faca de dois gumes. “Se por um lado os protestos são a força civilizada, democrática, energética de um povo que decidiu manifestar-se de forma ordeira e quase em uníssono, por outro lado, alavancados pela exposição mediática desproporcional, a pequena minoria criminosa de vândalos sem quaisquer princípios leva consigo uma imagem que o Brasil e as marcas que ao movimento se associarem – voluntária ou involuntariamente – não querem de modo algum projetar”, afirma. Para Miguel Caeiro, apenas o tempo irá mostrar qual destes lados será mais forte, sendo certo que a gestão das marcas pouco ou nada poderá contribuir para o desfecho, uma vez que este será “gerido nas redes sociais e na rua, campos de ação a que mesmo os mais experientes marketeers ainda não são experts”, concretiza o responsável da The Street Brasil.

Já Bruno Nunes, diretor da agência portuguesa de marketing de guerrilha Orange Popcorn [3] acredita que ambas as marcas saem valorizadas por estarem no “olho do furacão”. “Se o impacto sobre as vendas poderá não ser o previsto, o posicionamento da marca beneficia por conseguir agradar a «gregos e a troianos». No fundo, agrada ao povo e não pode ser criticado pela classe política. Estas marcas não impulsionaram a revolta, mas tiveram sorte de estar no centro dela sem um custo adicional. Conseguiram que as suas campanhas se tornassem numa causa de todos”, esclarece.

O marketeer considera que este fenómeno merece ser visto como um verdadeiro “case study”, tendo em conta o desígnio nacional que ganhou. “Estas campanhas acabam por ter ferramentas de PR STUNT, Marketing Viral, Marketing de Emboscada, Word of Mouth, sem que tenham sido pensadas para isso”.

Questionados sobre o facto de as restantes marcas brasileiras deverem ou não aproveitar o atual momento para ganharem notoriedade, os dois profissionais mostram-se relutantes, defendendo que as marcas não deveriam ir a reboque dos casos mencionados. “Este é um momento sensível para a gestão das marcas, bem como para o seu envolvimento voluntário, pois o risco de poderem ser interpretadas como aproveitando a «carona» pode ser extremamente penalizador. Creio que nos próximos meses, com a força e energia da mudança a superar a questão da violência oportunista destes dias, aí sim surgirão as boas oportunidades para acompanhar a nova fase da sociedade brasileira”, acredita Miguel Caeiro, que partilha, assim, a mesma opinião de Bruno Nunes.

“Abusar na promoção de valores nacionais neste momento pode ser mal entendido e visto como um incentivo à continuidade de manifestações. Todos sabemos que são atividades em massa, que a qualquer momento podem ficar descontroladas e gerar violência, e não acredito que alguma marca corra esse risco”, diz o marketeer. Para este profissional, depois do impacto das campanhas referidas, apostar numa comunicação semelhante dificilmente dará bons resultados a outra marca. “Tenho dúvidas da massiva utilização da situação por parte das marcas. (…) Acredito, sim, que é um período de oportunidade para as marcas provarem que realmente estão com o consumidor no ponto de venda, com impacto direto na economia e finanças das famílias”, defende.

Neste contexto, e como já foi referido, as redes sociais acabaram por ser o meio preferencial utilizado pelos manifestantes para a convocação dos protestos. À semelhança do que acontecera, por exemplo, com a chamada Primavera Árabe, estas plataformas parecem estar a mostrar o seu “poder mobilizador”. “Tal como já demonstrado em outros cantos do mundo, as redes sociais demonstraram que são o novo poder encantador, impactante, perigoso e aliciante. É claramente uma área onde a grande maioria dos decisores e atores da cena empresarial e política ainda é comprovadamente inábil e pouco conhecedora”, afirma Miguel Caeiro.

Mas qual o impacto das redes sociais na relação com as marcas? “Ao consultarmos as páginas oficias das marcas nas redes sociais verificamos que não se associam às manifestações, como seria de esperar. A Fiat, por exemplo, mantém a sua clara associação à Taça das Confederações, um dos motivos que acabou por «despertar» a população do Brasil. Se a campanha nas redes sociais ganhou um efeito viral fortíssimo, já a marca não me parece que tenha ganho o mesmo retorno”, acredita Bruno Nunes.

Fiat e Johnnie Walker. Dois exemplos de que como as marcas, mesmo de forma inadvertida, podem servir de inspiração àqueles que dizem estarmos perante um momento decisivo de mudança.

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