Como pode recuperar a imagem e sustentabilidade financeira?
Já lá vai o tempo em que Detroit corria a alta velocidade com outras cidades norte americanas ou mesmo com outros países. A corrida era uma disputa de poder, riqueza, força e uma forma de marcar uma posição de liderança a nível mundial. Detroit, que pertence ao Estado de Michigan, já foi a 4ª maior cidade dos EUA, chegando a ultrapassar os 2 milhões de habitantes. Atualmente, Detroit tem 700 mil habitantes e há quem a descreva como “cidade fantasma”.
Segundo a imprensa estrangeira, há ruas e prédios vazios onde outrora viveram e trabalharam milhares de pessoas. Aos poucos, foram abandonando a cidade, fugindo para destinos com mais postos de trabalho, dando um golpe nas receitas fiscais da cidade. Os impostos atingiram o limite legal, há relatos de que se tornou numa das cidades mais perigosas dos Estados Unidos e, segundo vários meios de comunicação norte americanos, quase metade da iluminação das ruas não funciona. Detroit perdeu a luz que durante anos a acompanhou, mas tem vontade de sair do buraco negro. Apesar da pouca vida, a cidade vive e agarra-se ao passado. Ser o berço da indústria automóvel é um título que nem a conta a negativos lhe tira, mas há muito que os motores da cidade se silenciaram.
Em julho de 2013, Detroit declarou falência. 18 mil milhões de dólares, o equivalente a 14 mil milhões de euros, é o valor da dívida contraída. Nos EUA, uma cidade ou um estado podem contrair dívida pública de modo a financiar o funcionamento dos serviços públicos, como escolas, apoio social, recolha de lixo, tratamento das águas, espaços verdes, etc. Detroit declarou incapacidade de honrar o pagamento destas dívidas.
Neste momento, ocupa a última posição, no ranking da Mercer “Quality of living worldwide city rankings”, em 2012, sendo 71ª cidade no ranking dos EUA. António Azevedo, especialista em City Marketing, que dinâmica das cidades e Professor na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, afirma que Detroit representou apenas 2% da quota de mercado de visitas de turistas internacionais nos Estados Unidos da América, no ano passado.
Quando se ouviu dizer “Detroit declarou falência”, muitos foram os que perguntaram, admirados com a informação, “Mas, uma cidade pode declarar falência?”. Pode. “E é como uma empresa também declarar falência?”. Dificilmente. Pedro Alves, economista de profissão, atualmente no cargo de Presidente do Montepio Crédito, explicou ao Imagens de Marca: “Em casos de insolvência de uma empresa, quando não há qualquer possibilidade de viabilizar a mesma, a gestão da massa insolvente tem normalmente como fim a liquidação, ressarcindo os credores na proporção do dinheiro que tinham emprestado à empresa. No caso de uma cidade, não é assim. A falência de um poder local implicará uma negociação com os credores ou mesmo uma declaração de extinção de dívida por incumprimento total no reembolso do capital e pagamento de juros dos títulos de dívida. No entanto, tratando-se de uma cidade, e ainda por cima, pertencente ao país mais desenvolvido do Mundo, o Estado de Michigan superintende sobre aquela cidade e, portanto, o seu governador é chamado a encontrar soluções ao nível do Estado que procurem encontrar um plano de viabilização financeira o que, certamente, demorará anos a produzir resultados”.
Ao contrário de uma empresa, que pode fechar portas depois de um pedido de insolvência, Detroit entra agora num processo de reestruturação. O próximo passo é um juiz mediar negociações entre o município e os credores, que podem levar a medidas de redução de despesa e venda de ativos, para minimizar as contas públicas. “Este é um passo difícil, mas é a única opção viável para resolver um problema que levou seis décadas para ser criado”, comentou o governador Rick Snyder, citado pelo Jornal SOL.
“A mediatização desta realidade afetará em primeiro lugar as decisões dos potenciais investidores e empreendedores em escolher Detroit para a sede das suas empresas porque há uma incerteza e um risco adicional de não funcionamento normal dos serviços prestados pelo município”, afirma António Azevedo, e conclui, “A deterioração da qualidade de vida da cidade e a diminuição do poder de compra, devido ao desemprego, transformou Detroit numa cidade com um elevado índice de criminalidade e insegurança o que afasta potenciais residentes e turistas. A imagem global de Detroit está agora associada a aspetos negativos como a degradação da paisagem urbana, infraestruturas industriais abandonadas e insegurança nas ruas”.
- Como é que Detroit chegou a este ponto?
Detroit é considerado, como já foi descrito, o berço da indústria automóvel. Era a casa de grandes infraestruturas de empresas do setor, como a General Motors, a Chrysler ou a Ford que atraíam milhares de pessoas, durante anos, pelo elevado nível de empregabilidade.
“No caso de Detroit, o que aconteceu foi que os compromissos de despesa com serviços públicos foram crescendo à medida que a cidade cresceu, nomeadamente com a instalação de grandes infraestruturas de empresas do sector automóvel. A cidade ficou muito dependente da receita proveniente da cobrança de impostos a estas empresas e com a crise no setor automóvel norte-americano, que se manifesta há mais de uma década, as grandes marcas foram vendidas e houve fecho de fábricas e infraestruturas, sem que tenha havido tempo para substituir as receitas provenientes dos impostos e taxas cobradas a essas empresas por receitas cobradas a outros setores de atividade. Por outro lado, com o aumento do desemprego da população de Detroit, sem alternativas de emprego, os particulares deixaram de ter capacidade para honrar o pagamento de taxas cobradas aos residenciais. Criou-se, portanto, uma espiral recessiva na cidade”, explica Pedro Alves.
Por muitas opiniões diferentes que haja sobre o tema, há um ponto em que a opinião é comum: Detroit deveria ter diversificado as suas fontes de receita, não estando dependente do sucesso de uma indústria apenas. A dependência do crescimento das receitas no setor automóvel ditou-lhe um destino pouco favorável. Joaquim Pereira, também especialista em City Marketing, e co-autor do livro com o mesmo nome, acredita que no futuro, a cidade terá que avaliar a criação de novas atividades. “Ter apenas uma atividade âncora, como a indústria automóvel, a determinar o sucesso, ou insucesso, da cidade não resulta, está provado. Há que encontrar e garantir que outras industrias assumam Detroit como a sua casa”, afirma. Para muitos, a situação atual era evitável se uma parte das receitas tivesse sido investida no desenvolvimento de parques industriais destinados a outro tipo de negócios.
- Como é que a cidade pode recuperar a sustentabilidade financeira?
Recorrer às ajudas do Estado de Michigan e, em último caso, à Reserva Federal dos Estados Unidos parece ser o caminho a seguir, a curto prazo, no sentido de encontrar formas de manter os serviços mínimos da cidade em funcionamento. O economista Pedro Alves dá a sua visão sobre tema: “Os Estados Unidos são conhecidos pelo seu grau de liberalismo económico mais acentuado quando, por exemplo, comparado com a Europa. É bem provável que os credores da atual dívida pública de Detroit sejam confrontados com a possibilidade de não receberem de volta o dinheiro que aplicaram nos cofres da cidade. Após esta fase, será necessário um plano especial de ajuda financeira da Reserva Federal dos Estados Unidos, com um plano de investimentos que relance a economia local através da atração de empresas para o estabelecimento de infraestruturas criadoras de emprego. Isso irá demorar anos”.
Mas o que acontece se não avançar um plano de ajuda? Pedro Alves explica: “A cidade continuará a perder habitantes, um cenário catastrófico, tornando Detroit na maior cidade-fantasma alguma vez conhecida”. Mas o economista não acredita que tal aconteça, pelo elevado número de infraestruturas públicas que assegura terem valor e, assim, poderão tornar a cidade viável a partir do momento em que se recupere o investimento.
O medo de contágio desta situação a outras cidades dentro e fora dos EUA é diminuto. Mas, para os especialistas, é um alerta para a necessidade de se desenvolver uma política de gestão sustentável das cidades. Por exemplo, há que ser-se exigente na seleção do perfil e competências das pessoas que são eleitas para gestão das cidades, há que ter um plano estratégico de desenvolvimento e gestão sustentável diversificando as fontes de receita, deforma a que se possam criar excedentes que permitam colmatar situações de adversidade.
Em 2011, a Chrysler, marca de automóveis ali nascida, criou uma campanha, que passou no Super Bowl, com o objetivo reforçar a garra da cidade e o orgulho americano e impulsionar o seu crescimento. Criada pela agência Wieden+Kennedy, a campanha recebeu boas críticas do mercado publicitário, assim como dos consumidores. Nas redes sociais, houve até quem comentasse o vídeo a dizer que este lhe dava vontade de morar em Detroit, tendo recebido também muitas mensagens de pessoas a darem força à cidade para não deixar de lutar para se reerguer.
Este é um exemplo de que uma marca pode puxar por uma cidade, mostrando às pessoas o que de bom a mesma tem. “No marketing de cidades, a promoção da felicidade percebida e a satisfação por viver num lugar são objetivos a atingir junto dos residentes de uma cidade. Outro conceito importante é a autoeficácia que pode ser definida como a expectativa de que os nossos projetos de vida pessoais, profissionais podem ser concretizados num determinado lugar. Iniciativas como a campanha da Chrysler são um exemplo do que se pode fazer para melhorar a esperança coletiva e evitar o ambiente depressivo e o abandono da cidade do seu capital humano mais jovem e qualificado”.
- O que fazer para recuperar a imagem?
“Não foi a falência de Detroit que afetou a imagem da cidade, foi antes a imagem da cidade que a conduziu à falência”, afirma Joaquim Pereira. Para o especialista Detroit terá, agora, que desenhar uma estratégia de atração e retenção dos públicos que lhe interessa, sejam eles residentes, investidores, visitantes, estudantes ou trabalhadores, atuais ou potenciais. “A declaração de falência provoca, de imediato, uma perceção negativa. Importa conhecer e identificar os fatores que lhe dão origem e agir sobre eles. Conhecer a imagem que detêm de nós permite-nos identificar o “gap” entre a imagem detida e a imagem desejada e trabalhar para que esta se aproxime daquela”, garante Joaquim Pereira.
É urgente que Detroit se reinvente e encontre novas formas de conseguir receitas e novos pólos que atraiam novamente população para a cidade. Para Joaquim Pereira, a cidade “deverá desenhar uma estratégia associada ao ‘espirito americano’, considerado uma terra de novas oportunidades”. O especialista em City Marketing defende a ideia de que nesta reconstrução de reputação e estabilidade financeira, devem ser evitadas as elevadas expectativas. E deixa no ar a ideia de que o caminho poderá passar por, em vez de apostar no “Automóvel vs. Petróleo”, se passe a apostar no “Automóvel vs. Ecologia e Ambiente”.
Será a falência um fim ou apenas um novo começo? Para Joaquim Pereira, Detroit está perante um novo começo e acredita que os responsáveis aprenderam a lição. Um começo que terá um longo caminho pela frente. Mas apesar da situação, Detroit afirma que receberá o Salão Automóvel em 2014.
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