O que mata as ideias

13 de abril de 2012

O que mata as ideias

João Geada, King of Lalaland

Na semana em que o Facebook compra uma boa ideia por 765 milhões de Euros e enquanto profissional das ideias, pareceu-me oportuno aproveitar este meu espaço de opinião para tentar reflectir um pouco sobre o que dificulta as ideias em Portugal.

Nos EUA, dois rapazolas tiveram uma ideia de fazer uma aplicação para smartphones que permitisse colocar filtros nas fotografias e partilha-las nas redes sociais. Chamaram-lhe Instagram. Conseguiram com facilidade uns milhares de dólares para investir no seu desenvolvimento e 17 meses e mais de 12 milhões de utilizadores depois, vendem a coisa por mil milhões.

Em Portugal, 17 meses depois de terem a ideia, os mesmos rapazolas  estariam a estagiar numa empresa, a ganhar 150€ de subsidio de alimentação a recibos verdes, com a ideia a servir de pasto para ácaros e eles com vergonha de a ter tido. Porquê? O que se passa neste país?

Como profissional das ideias faço-me esta pergunta há mais de 20 anos e acho que finalmente cheguei a uma conclusão: tudo se prende com uma característica cultural e sociológica, que não sendo um exclusivo nacional terá sido seguramente uma criação portuguesa, a que chamei de Problematismo e consiste no simples facto de os portugueses colocarem todo o seu foco nos problemas e não nas soluções.  Aliás isto será um problema antigo, uma vez que já Luis Vaz de Camões o mencionava no seu ‘best seller’ (a parte dos ‘Velhos do Restelo’).

Já que falei no Instagram vou utilizar este exemplo para vos explicar como esta ideia teria sido aniquilada em Portugal através do mais fino e eficaz Problematismo.

O primeiro obstáculo que os dois criadores teriam encontrado seria a opinião das namoradas e dos amigos, coisas como ‘mas os smartphones já permitem tirar fotografias’, ‘eu acho que ninguém quer partilhar fotografias’ ou ‘quem quer partilhar fotografias já usa o Facebook’ seriam algumas das frases problematistas apresentadas por este primeiro painel de apoiantes.

Já um pouco desanimados os nossos rapazes iriam, mesmo assim, tentar levar a sua avante e depois de descartarem o financiamento através de crédito directo porque o gerente do balcão do banco que consultariam se riria de forma alarve nas suas caras, passariam estoicamente para a fase de ‘pitching’, ou seja, ir bater à porta de empresas que pudessem ter interesse em comprar ou financiar a ideia.

Dos 127 contactos que efectuariam, apenas 6 pediriam email com a apresentação e nos 4 emails de resposta recebidos no espaço de 8 meses, conseguiriam marcar duas reuniões. Uma acabaria por não acontecer por ‘mudança de estratégia’ da empresa e finalmente o Vice-director secundário alternativo do departamento de apoio ao marketing da outra, adoraria a ideia e prometeria analisá-la com a sua equipa e dizer qualquer coisa ‘ASAP’ (As Slow As Posible). Até hoje.

Nas cabeças de toda esta gente estariam carradas de problemas. Problemas de tempo, problemas com a organização onde trabalham, problemas de saúde, problemas com a crise, problemas com as vendas que andam fracas e por isso o esforço tem de ir todo para ali, problemas com as costas, problemas com as prestações da Bimby e problemas com o tabaco que não conseguem largar. Problemas impossíveis de resolver porque o chefe não deixa, o governo impede, o banco boicota, a mulher ignora e Deus não quer.

No meio de tanto problema e de tanta gente a atrapalhar a sua resolução, as novas ideias não tem a menor hipótese de sobrevivência. O seu aparecimento é encarado com cepticismo, desdém e com um enorme medo que venha a criar problemas novos, que depois também não vão poder ser resolvidos pelos mesmos motivos que os problemas velhos. E assim se cria uma espiral de problematismo de que nunca se sai.

O facto de as ideias que mais sucesso tem no nosso país serem, norma geral, medianas também se prende com o problematismo, porque levanta menos problemas abraçar meias ideias, réplicas de ideias ou não ideias. Compare-se por exemplo a brutal adesão ao H3 que não é mais que outro restaurante de fast food com um toque de qualidade e sofisticação, com o lentíssimo crescimento da genial ‘Via Verde’.

Entretanto, por esse mundo fora há pessoas que cada vez que aparece um problema resolvem-no, se não podem resolvê-lo passam-lhe por cima e seguem em frente. E o que é engraçado é que as soluções que encontram para os problemas são ideias que cultivam com um entusiasmo que contagia tudo o que toca. Muitas não dão nada e outras crescem de tal forma, que quando dão por isso estão 765 milhões de euros mais ricos.

Numa viagem ao Nordeste do Brasil, a minha mãe teve uma inundação no seu quarto de hotel. Dirigiu-se à recepção e interpelou o recepcionista com um ‘estou com um problema no meu quarto…’ replicado imediatamente com um ‘Dona, aqui não tem problema, só tem solução’. Isto é mais que uma grande reposta, é um grande estado de espírito.

 

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Comentários (20)

  1. Caro João Geada, apesar de alguns factos que relata, permita-me discordar categoricamente do seu artigo.
    Quem quer, faz! Lá por se ter nascido no rio o peixe não precisa de viver nele toda a sua vida. O caminho para o mar está sempre lá. Só vai quem quer.

  2. Caro João Ferreira, estou inteiramente de acordo consigo, quem quer faz, mas em algumas culturas, como a nossa, tem de ter um estofo especial para nadar contra todas as correntes que lhe atiram no sentido contrário ao do caminho para o Mar. Abraço.

    por: joaogeada,
  3. Geada, não podias estar mais certo. Já me deparei tantas e tantas vezes com esta tua Problemastica…uma bombástica falta de vontade e originalidade, dor de corno e passividade que até dá dó. Depois, e agora respondendo ao caro João Ferreira, o problema de Portugal é que o peixe miúdo nem sequer sabe qual é a direcção do Mar, já que a água do rio e a onda da corrente é decidida por “pescadores” nada, mesmo nada, preocupados pela enchente criativa. Para os pescadores menos inteligentes, só vale a pena pescar sempre o mesmo peixe, o graúdo, o que se vende de chapa nos mercados mais baratuchos!

    por: carla guedes,
  4. Completamente de acordo. Agora que já descobrimos o problema vamos passar por cima e seguir em frente. No país que mais inventores deu ao mundo parece-me que temos mais é que saber ultrapassar essa nossa característica genética. UP UP AND AWAY!

    por: Ricardo Rosário,
  5. Este artigo não é mais do que o espelho do seu próprio conteúdo. Análise de “se’s” e de cenários imaginários para dizer que sofremos de uma palavra que acabou de inventar, o “problematismo”.
    Se deixar de pensar que somos assim será um bom ponto de partida para escrever pela positiva, como dizia o brasileiro. ;)

    por: Alexandre R.,
  6. Completamente de acordo! Aqui é necessário ter a ideia feita e com lucros para provar que dá. É a isto que se chama Capital de Risco?…. mas afinal qual é o risco??? Esclareçam-me como se tivesse 2 anos….

    por: Paulo Sousa,
  7. Bom, o seu artigo muito claramente descreve a problematização desse sector que é o das ideias, essas geniais criações nascidas da tesão de mijo.
    Tamanha eloquência para descrever o problema da problematização desta importantíssima actividade intelectual só pode ter sido inspirada na indulgência de escrever numa veia problematizacionária…

    por: Carlos,
  8. Será que os próprios criadores do Instagram não se depararam com tudo isto no seu país sem simplesmente tê-lo referi-lo por ser óbvio, conhecido e pouco relevante?

    Concordo com o Alexandre R., o próprio artigo que escreveu, apesar de correcto, é um espelho do que descreve. O pôr travões é um problema das pessoas, independentemente da nacionalidade e dos governos, é preciso lutar pelo que se quer, ceder aqui e ali para mais tarde não ter de o fazer, explorar, encontrar caminhos e soluções, resolver problemas. Fundamentalmente, é preciso saber driblar o sistema, compactuar com algumas coisas (quase todos os profissionais empregados que conheço começaram a trabalhar de graça, eu incluída – e os que se recusaram a estagiar uns meses de borla continuam desempregados e a viver às custas dos pais, mas de queixo levantado), recusar outras (porque há, é verdade, limites para tudo), saber contornar e, lá está, encontrar soluções e não problemas.

    por: LR,
  9. Parece-me um bom artigo mas há um dado que passou ao lado. São “miúdos” num pais que apoia o empreendedorismo, onde na escola motivam a ser empreendedor, onde os miúdos tem trabalhos de Verão para conseguirem dinheiro. Por cá os pais não querem que os miúdos trabalhem, os “miúdos” preferem receber uma mesada e na escola aprendemos a trabalhar para alguém e quando alguém sugere que criará uma empresa ai sim é motivo de risada. Este espírito tem que começar a ser implantado mais cedo!

    por: JB,
  10. Ahahaha,

    Estou neste momento a desenvolver uma ideia própria e nem sabe o quanto me revejo nesse seu post.

    Quanto aos outros comentários, eu acho que nem é a questão de lutar ou deixar de lutar pelas coisas. Isso acontece tanto cá como nos EUA. É antes a forma de como aqui se “mata” uma ideia logo à nascença, seja pela falta de vontade, pela falta de coragem ou pela falta de interesse em arriscar.

    Quantas aplicações conhecidas e recentes nasceram em Portugal? Lembro-me de duas, e ambas nasceram nas grandes empresas (cartão pré pago e via-verde). Então e se perguntar-mos quantas aplicações de portugueses nasceram fora de Portugal?

    Acham que o nosso compatriota teria lançado o ebuddy aqui em Portugal? Acham que lutou menos em Londres, onde há mais concorrência? E a “Back in Time”? Considerada pela The NY Times, uma das melhores 10 aplicações de 2011?

    Mais uma vez parabéns João. Conseguiu de forma simples mostrar como funcionam estas coisas das ideias por cá.

    P.s.- Apesar de tudo, sinto que já começamos a mudar.

    por: PN,
  11. Conselho de amigo. Faça como a água nos pilares da ponte. Senão conseguir evitar bater-lhes, desvie-se e continue o seu caminho. Tente ver as coisas do lado positivo, a resiliência de que necessita para vencer em Portugal, prepara-o para vencer em qualquer parte do mundo.
    Este fenómeno tem sido percebido por algumas empresas portuguesas que quando se abalançam em aquisições fora de portas, rapidamente percebem, que afinal estão mais bem preparadas que as suas congéneres noutros países supostamente mais desenvolvidos.

    Quanto às histórias de sucesso americanas, são uma num milhão, as que vencem, a grande diferença entre eles e nós é que eles vendem-nas, enquanto ideia «itself», para fora como um produto cultural de sucesso, enquanto nós, sempre que algum «tuga» tem sucesso, não temos essa capacidade de promover a portugalidade inerente à ideia.

    Eu compreendo e aceito tudo o que afirma, pois sinto-o na pele todos os dias, ainda assim, não me tem impedido de evoluir e continuar a lutar pelas ideias em que acredito, espero sinceramente que seja também o seu caso. Abraço

    por: Carlos Miguel Sousa,
  12. Pedro, dizem os chineses que uma iamgem vale mais do que mil palavras. Foi o que vocea fez com muita criatividade. Meus parabe9ns.Abrae7os.

    por: Youngjae,
  13. Problemas / Barreiras há em todo o lado e em tudo, especialmente durante o processo de desenvolvimento que levará à criação de algo novo. No entanto quem se “safa” será aquele que tem mais “estofo” para levar mais pancada e conseguir levantar-se outra vez. Quem já conceptualizou algo
    sem nunca ter levado “porrada”, das duas uma, ou comprou feito, ou teve muita sorte mesmo. No final vinga aquele que mais vezes falhou, acabando por conseguir manter-se em pé.

    por: Xavier,
  14. Adorei os meus parabéns João Geada

    por: Maria,
  15. João Geada parabéns pelo artigo, foi um risco acredite mostrar aos portugueses o quão pessimistas somos. Claro que muitos rebatem essa verdade mas, acredito que está gravada nos genes. E depois de alguns meses no Brasil mais evidente se tornou para mim a diferença de atitude: será do clima? isso e outras coisas…

    por: C sofia,
  16. esta historia esta mais pra recentimento do que para entendimento, qual o monarca que ao querer provar a segurança do calabouço alagado em volta ao castelo, promoveu uma festa de prova , onde era aberta a realeza e suditos, e fechada aos pobrecitos, a nao ser que varassem a segurança do calabouço, com crocodilhos e outros bestas feras, onde este prometia metade do seu reino ou a mão da filha, não e que diante do inflame da miséria um aloprado tranpôs o lado , e diante do rei este lhe pergunta o que queres metade do reino ou a mão de minha filha? ,o alopradinho responde Magestade so queria mesmo saber quem foi o fdp que me empurrou dentro daquele calabouço.Kakkkkk uma questao que nao quer calar diante de tempos difíceis por ai prezados amigos.

    por: paulo roberto de oliveira,
  17. Infelizmente em Portugal usa-se muito a cábula. Um idiota tem uma bela ideia e propõe-a a várias empresas. Ninguem quer porque parece fraca mas o certo é que depois aparece uma agência “aliada” a estas empresas com a ideia em prática. Nada se pode fazer porque basta alterar uma vírgula e tudo passa ao lado. Nos EUA é feita a avaliação da ideia e quem a plagear ( tem que mudar a essencia) sabe que tem que a pagar. Já aconteceu comigo e com uma grande multinacional ( empresa e agência) …

    por: maria gertrudes coutinho,
  18. Parabéns pelo artigo
    apenas acrescento o seguinte que também se passa na vida das empresas.
    Se damos ideias de melhoria a resposta é:
    “lá está você com as suas ideias mirabolantes” se não damos
    “você com a sua experiencia podia opinar”

    por: Luis Santos,
  19. ASAP = as SOON as possible, não SLOW…

    por: Hugo,
  20. Subscrevo
    Parece-me um bom artigo mas há um dado que passou ao lado. São “miúdos” num pais que apoia o empreendedorismo, onde na escola motivam a ser empreendedor, onde os miúdos tem trabalhos de Verão para conseguirem dinheiro. Por cá os pais não querem que os miúdos trabalhem, os “miúdos” preferem receber uma mesada e na escola aprendemos a trabalhar para alguém e quando alguém sugere que criará uma empresa ai sim é motivo de risada. Este espírito tem que começar a ser implantado mais cedo!
    por: JB, a 24 de Abril de 2012, 12:35

    por: Soares Costa,

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