Continuamos, em 2018, a trabalhar mal, e a valorizar longas horas no escritório, prejudicando de forma irrecuperável o resto da nossa vida, família, amigos, saúde, cultura.
Ao sair do seu open space as 18:15, Teresa (nome fictício) é interpelada pela sua chefe, num tom jocoso, “então, hoje não se trabalha à tarde?”.
Infelizmente esta caricatura está demasiado próxima da realidade para não ser levada a sério.
Existe uma cultura em Portugal de prolongar de forma totalmente irracional as horas a que se sai do escritório, numa competição surda pelo prémio do mais trabalhador, do mais dedicado, dando visibilidade a esse esforço, quer através de eternos lamentos, quer por emails enviados fora de horas comprovando a sua “dedicação”.
É muito comum, e alguns até bem conhecidos na praça, os chefes darem o pior dos exemplos, muitas vezes começando os seus dias pelas 11:00, usufruindo de almoços de pelo menos duas horas, e depois, obviamente “obrigam” as suas tropas a ficar até as 21:30 ou 22:00 no escritório para satisfazer as suas necessidades de interação, reuniões e trabalho.
Basta mudarmos de geografia na Europa, nos Estados Unidos ou mesmo na vasta maioria de outros países, para encontrarmos pessoas e sociedades que tem uma vida depois do trabalho. SIM !!!! É verdade, é possível, essa é a regra, em Portugal pratica-se a exceção !!!!!
Obviamente nem preciso de referir que não existe a mínima correlação entre as horas trabalhadas e a produtividade, bem pelo contrario.
Durante muitos anos, confessamente contagiado por esta “doença”, praticando horários absolutamente ridículos superiores a 12 horas diárias, fui chamado a atenção por um chefe (obviamente estrangeiro) que me disse que se eu não conseguia entregar o mesmo que os demais no horário padrão, que teria que rever a minha avaliação. Remédio santo, lição aprendida e missão de vida desde então.
Existe toda uma vida que se consegue usufruir quando respeitamos, fazemos respeitar e mostramos que deve ser respeitado os horários normais de trabalho. Existe tempo de enorme qualidade para a família e amigos, existe tempo para exercício físico, existe tempo para a cultura e entretenimento, existe tempo para pequenas tarefas domesticas, enfim, existe tempo para viver.
Claro que, como sempre, não existe bela sem senão, obviamente que o horário de entrada pela manha não poderá ser “pelas 9:30, arredondado pelas eternas desculpas do transito, da chuva e do metro que estava cheio… Claro que, salvo exceções de trabalho justificadas, não existe mais do que tempo para um almoço rápido e funcional. Claro que se respeitarmos os horários, formos pontuais e exigirmos que sejam pontuais connosco, se entregarmos e cumprirmos com as nossas obrigações, conseguiremos ter a autoridade moral para exigir isso e muito mais. Acabou o viver de desculpas esfarrapadas para não entregar o tal relatório, para não terminar aquela apresentação, para não estar preparado para aquela reunião, enfim, para cumprir com aquilo para que, afinal de contas, foi contratado.
O mundo do trabalho esta a mudar de forma incrivelmente rápida para modelos de part-time, home-office, co-working e outras tendências, para os quais os hábitos pré-históricos enraizados nas ultimas décadas vão dificultar muito e tornar-nos muito menos competitivos perante os nossos páreas internacionais.
Portugal aparece no TOP 10 mundial dos Países que trabalham mais horas, claramente um ranking em que não gostaríamos de estar.
Toda a sociedade se organiza para esta “desorganização”, os horários do comercio, dos serviços, das escolas, tudo se adapta a esta esquizofrenia.
Em São Paulo, onde moro desde 2011, as escolas iniciam sempre entre as 7:00 e as 7:15, existem supermercados abertos 24h, é muito comum começar a trabalhar antes das 8:00, almoçar rápido e a partir das 17:00 os escritórios começam a esvaziar. Esta realidade ainda é mais forte se vamos para os Estados Unidos ou norte da Europa.
Existem vários sectores da economia que podem sair muito beneficiados com o cumprimento dos horários de trabalho, e desde logo, no aumento de horas para a vida e prioridades pessoais. Desde logo a componente de exercício físico (ginásios, personal trainers, empresas de material e equipamento de desporto), entretenimento e cultura (cinemas, teatros, cursos e workshops, grupos amadores de varias atividades lúdicas e culturais) e obviamente, impossível de mensurar mas extremamente valioso, o tempo para a nossa família e amigos.
Para quando esta mudança de mentalidades, de cultura, de falsos moralismos, de hipocrisia e de ilusionismos da produtividade?
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