Por onde andam os Brexit Ghostbusters?

24 de junho de 2016

Por onde andam os Brexit Ghostbusters?

Pedro Gouveia Alves, Economista

Tenho dificuldades em fazer uma apreciação económica ao que se passou durante o dia de quinta-feira, com as repercussões «sísmicas» de início da manhã. Efectivamente, o tema é, acima de tudo, político. Sinto que, por uma vez, o sentimento geral é que se trata de um problema iminentemente político, não ditado por interesses económicos ou financeiros. Daqueles que podem constituir marcos históricos, capítulos que, certamente, merecerão o interesse dos estudiosos da evolução das nações, e da geoestratégia.

Custa-me, portanto, fazer uma análise estritamente económica, e dos impactos que o Brexit terá junto das empresas portuguesas. Em termos gerais, a balança de trocas comerciais entre Portugal e o Reino Unido é-nos favorável. Qualquer coisa como pouco mais de 3 mil milhões de euros de exportações de bens versus 1,8 mil milhões de importações. No topo das exportações portuguesas para o Reino Unido figuram as Máquinas e Aparelhos e Veículos e outros Materiais de Transporte (num total de cerca de mil milhões de euros), ocupando o Vestuário a terceira posição com 300 milhões de euros exportados. Se juntarmos aqui os serviços prestados, nomeadamente Viagens e Turismo, então o volume de exportações sobe para mais de 6 mil milhões de euros face a um volume de importações de 3,2 mil milhões de euros, mantendo-se a balança favorável para o nosso país. O Reino Unido é o quarto maior destino das nossas exportações (representando 6,5% do total de vendas do nosso país ao estrangeiro) e, a relação cambial favorável (Libra/Euro) tem favorecido as nossas empresas, o que é expectável que venha a ser prejudicado num primeiro impacto, se vier a manter-se a desvalorização da Libra face ao Euro. Por outro lado, Portugal e o Reino Unido mantêm uma «velha aliança» que se estendeu da política para a materialização nas relações económicas com o longínquo Tratado de Methuen celebrado em 1703. Muitas são as empresas portuguesas que se representam no espaço britânico e, vice-versa. Por outro lado, o turista britânico continua a figurar no topo do interesse português do sector.

Não sabemos exactamente qual a dimensão do impacto, mas creio que se evoluirá para um «amaciamento» do impacto do Brexit. Uma espécie de estatuto especial de país que não é da União Europeia, mas é como se fosse para alguns interesses. Sentimento que se alastrará pelo resto do espaço da União Europeia e que porá em causa os efeitos da hegemonia do eixo franco-germânico. Há também no horizonte a negociação de acordos comerciais do atlântico norte que, desde há muito, têm vindo a ser negociados entre a Europa e os Estados Unidos. Naturalmente, o Reino Unido vai querer assumir protagonismo em matérias que digam respeito à relação com os norte-americanos.

Vale a pena recordar alguns factos que ajudam a entender a génese britânica. Existem aspetos que sempre me alertaram para que os acontecimentos desta madrugada se tornassem possíveis. E são muitos: apesar de se tratar de uma das mais importantes economias do espaço europeu, o Reino Unido não foi país fundador da CEE (entrou apenas em 1973), não alienou a sua independência monetária (mantém-se com a Libra, fora da zona Euro), não aderiu ao espaço Schengen, e a sua representação nas instâncias da burocracia europeia é desproporcionadamente menor face à sua importância. Na realidade, existe um certo cultivar de uma espécie de território europeu que não é bem europeu. Os que ficam para lá do canal mas, que teimam em afirmar ironicamente que o continente europeu está isolado quando avistam nevoeiro no horizonte.

Se a Europa anda a duas (ou três) velocidades, não é menos verdade que o próprio Reino Unido é um país dividido. Como vai ficar o tema da afirmação da independência escocesa? E como evoluirão os interesses irlandeses que, como país independente, se mantém na União Europeia, com a possibilidade já ventilada de uma possível unificação com a Irlanda do Norte? Na realidade, o Reino Unido anda a velocidades muito distintas. A geografia do voto revela que a província revoltou-se contra uma Londres cosmopolita. É uma espécie de luta de classes dos nossos tempos. É uma revolta contra as ordens política, económica e comercial. Se David Cameron sai derrotado, os defensores do sim pela permanência do Labor Party não saem menos derrotados. Cilindrados, diria. É a derrota do «royal» bloco central, uma vez mais a evidenciar-se.

Desta vez, na mais antiga democracia. Abre-se a «caixa de Pandora» do nacionalismo que, até agora, só se manifestava em bastiões da obsoleta e vista como democraticamente deficitária Europa continental. Cujos fantasmas se soltam agora por todo o lado, desde o ganhar de terreno da família Le Pen em França, dos nacionalistas da Alternativa Alemã, passando pelos ultraconservadores austríacos, húngaros e polacos. Um nacionalismo exacerbado, há muito arrumado na gaveta mas que, afinal, se solta junto dos velhos aliados de referência na conduta de libertação dos povos: os eurocépticos ingleses e os apoiantes de Donald Trump do outro lado do atlântico.

Na madrugada de sexta-feira, os «animal spirits» andam à solta. A inquietude de uma sociedade que perde referências de cidadania, de liderança e que vê todos os dias a falta de capacidade de resposta das instituições às mais elementares necessidades e legítimas ambições das pessoas. À solta estão os fantasmas do ultra conservadorismo, do nacionalismo, e dos medos que o terrorismo se encarregou de injectar num espaço de sociedade pacificada. E, a contragosto, não há notícia de uma linhagem de líderes que se constitua como um verdadeiro eixo de Ghostbusters. Porque um futuro próspero e em paz é «economicless».

A construção de uma sociedade próspera e geradora de valor, não é uma decisão económica. O valor não é só financeiro. É, sobretudo social, fruto de opções políticas e de uma visão de futuro.

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