10 de janeiro de 2011

Opiniões que Marcam

(*) Brand Design Manager/Brandia Central e Presidente do Clube de Criativos de Portugal


 


 


Pode parecer absurdo, mas estou convicto de que estamos voltando ao tempo das cavernas. Isso pode não ser mau de todo, se considerarmos que nessa altura ainda não existia o mercado financeiro, nem a classe política. Noto isso não porque o dinheiro é coisa que vejo escassear cada vez mais, e os governantes de uma forma geral têm vindo a tornar-se figuras mais desprezíveis e abomináveis a cada dia que passa. A relação com o nosso passado mais remoto está na forma como iconizamos tudo à nossa volta.


 


As primeiras formas que arranjámos para a transmissão de informação, tão necessária para a nossa sobrevivência, foi fazendo uns gatafunhos nas paredes.


 


Desenhavam à esquerda cinco homenzinhos toscos com lanças, um enorme mamute disforme ao centro, mais vinte bonequinhos a correr para a direita, o que queria dizer que era mais estúpido ficar à frente do que atrás do bicho. Ainda hoje esquemas não menos rudimentares são utilizados para exemplificar a tática de um jogo de futebol, mas isso também deve ser coerente com a atitude das claques, cada vez mais trogloditas.


 


Voltando ao processo de iconização da informação, tive conhecimento hoje (quinta feira) de que a Marca Starbucks vai passar a basear a aplicação sua identidade desprovida da utilização dos caracteres, mantendo apenas a imagem da sereia verde, pressupondo que toda a gente reconhece “o boneco” sem precisar “dos dizeres”.


 


A Vodafone também está abandonando o seu nome por extenso, para assinar as peças de comunicação apenas com o seu símbolo, o “speechmark”, pelo mesmo pressuposto.


 


A Nike já fez isso já há tempos, assumindo o alargado poder de comunicação do “swoosh”. A marca concorrente, que utilizava as três riscas ao ombro, teve maior dificuldade em se estabelecer como ícone.


 


Uma maçã com uma dentada é suficiente para definir que tipo de pessoa está por trás, ao lado ou com os ouvidos munidos de certos gadgets. Mais do que isso, há dias comprei um conjunto de magnets para o frigorífico onde em cada um figura a imagem de uma aplicação do MacOS. Cada ilustração tem um significado, que é facilmente descodificado e afetuosamente compreendido por toda a família e amigos que assaltam o dito eletrodoméstico.


 


As Marcas tenderão a comunicar cada vez mais dessa forma, demonstrando o seu poder enquanto elementos aliciantes e aliciadores de uma legião cada vez maior de fãs e pregadores.


 


Numa interessantíssima e muito bem montada exposição chamada “Brain” patente no Museu de História Natural em Nova Iorque, fiquei esclarecido (e por vezes mesmo estarrecido) sobre o funcionamento dessa complexa penthouse do nosso corpo, com a quantidade de informação que processamos e com as quais lidamos no dia a dia enquanto gestores de Marcas.


 


No fundo tudo se resume à gestão de emoções, ou a relação entre tudo o que existe no mundo e aquilo que existe dentro de nós. São as emoções que unem esses dois universos, traduzindo em sentimentos o significado de cada elemento com que nos relacionamos.


 


Vendo melhor as coisas, há uma diferença grande entre os rabiscos das paredes de pedra e as marcas ícones que nos rodeiam cada vez mais. É que se as marcas não nos transmitirem emoções, se não nos fizerem um clique ”Like” na cabeça, não passarão de uns monstrengos meramente indicativos de qualquer coisa. E a sereia verde não significa apenas que ali se vende comida e bebida, necessários para a sobrevivência individial e a manutenção da nossa frágil espécie. Afinal, não pense que um Skinny Caramel Macchiato ou um Peppermint Mocha Frappuccino constam na lista de produtos essenciais de consumo de toda a gente.


 


P.S. Uma coisa que o meu cérebro não desvenda é a razão pela qual se formam filas tão grandes à porta das lojas das botas UGG. Inventadas há muitas dezenas de anos e registadas como Marca em meados dos anos 70, esses calçados de aparência paleolítica fazem-me questionar, mais uma vez, se não estaremos mesmo caminhando de volta para as grutas.

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