*Director Marketing Volkswagen
O automóvel eléctrico não é nenhuma novidade: em 1881 apareceu na Exposição Internacional da Electricidade em Paris o primeiro protótipo, e no ano seguinte, o primeiro automóvel da história a atingir os 100 km/h – o francês “Jamais Contente” – era eléctrico.
Até aos anos 20, apareceram mais alguns modelos mas o lobby do petróleo já estava amplamente instalado no sector e, até aos anos 70, os eléctricos desapareceram, voltando o tema a ser actual em finais dos anos 90 e sendo hoje o verdadeiro “talk of the town” do sector automóvel.
Só nos últimos 2 anos, 35 modelos foram apresentados, tantos quantos nos últimos 30 anos do século XX.
Modelos apresentados sim, mas o que é facto é que continua a ser praticamente impossível, no momento em que escrevo estas linhas, ir a um concessionário, passar um cheque e sair de lá ao volante de um magnífico veículo não poluente e totalmente silencioso.
O que não impediu o poderoso Marketing da indústria automóvel de mobilizar, nos últimos 5 anos, extraordinários meios para comunicar a “inovadora” tecnologia e os seus potenciais benefícios para os clientes futuros.
Porquê, se o produto não existia no mercado e continua, por assim dizer, a não existir?
O automóvel eléctrico vive rodeado de mitos:
- Continua a prejudicar o ambiente porque a electricidade gera dióxido de carbono ao ser produzida (meio verdade, há fontes “limpas” de produção de electricidade)
- É demasiado lento (falso, o Tesla americano atinge 210 km/h)
- As baterias não duram (é uma incógnita, mas estima-se que possam resistir 10 anos)
- A moda passará e o produto tornar-se-á obsoleto (pouco provável, os governos estão a investir em infra-estruturas a longo prazo e a consciência colectiva caminha no sentido do respeito ambiental)
- A tecnologia é muito complicada (falso, o “único” problema técnico ainda não resolvido é o da capacidade das baterias, logo da reduzida autonomia)
É efectivamente na autonomia que reside o travão à comercialização deste tipo de produtos. Se eu quiser ir de Lisboa ao Porto, terei que parar em Pombal para carregar a bateria porque a autonomia máxima de uma automóvel eléctrico se situa – hoje – nos 180 km.
E essa restrição é muito forte do ponto de vista psicológico para o consumidor, por muito que o seu percurso diário de automóvel possa não exigir mais do que poucas dezenas de km.
É aqui que reside o fenómeno invulgar da indústria: insistir em comunicar, há anos, um produto que ainda não resolveu a principal barreira à entrada no mercado, “esgotando” a imagem da tecnologia junto do consumidor.
Ao continuar assim, o automóvel eléctrico (verdadeira solução de futuro, não duvidemos) pode cair em descrédito, exigindo – no momento em que a tecnologia (leia-se autonomia) estiver totalmente apurada e constituir um verdadeiro benefício-cliente – um maior esforço para “redourar” a sua imagem. É um contra-senso.
Neste particular, o Marketing presta um mau serviço ao produto, sob pretexto de servir a imagem de algumas Marcas automóveis.
Já procurei, mas não me lembro de muitos casos de inovação tecnológica tão maltratada na história do Marketing.
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