* Director Mercados Internacionais da Sumol+Compal
As tais Pessoas que às vezes consomem (mas passam a maior parte do tempo a fazer outra coisa qualquer) transfiguram-se com o assumir dessa condição de Consumidor.
Enquanto Consumidores reagem a coisas como comparação de preços no supermercado, são sensíveis a campanhas de comunicação, são levadas pelos miúdos a fazer escolhas que no seu juízo perfeito não fariam, cortam na alimentação para gastar em SMS’s, etc. etc.
Enquanto outra-coisa-qualquer, as Pessoas discutem acaloradamente a (in)competência dos governos para fixar investimentos, a necessidade de uma economia forte, as diferenças no poder de compra face “à Europa”, o desemprego que alastra…
Gosto de tentar perceber as coisas com a simplicidade de quando tinha 10 anos ou com a paixão dos 18.
E é mesmo complicado perceber porque é que colectivamente, enquanto sociedade, somos Consumidores cada vez mais poderosos, com acesso a cada vez mais coisas mais baratas, e enquanto Cidadãos estamos a construir um modelo de negócio para o País cada vez mais inviável e suicidário.
As empresas-que-produzem-alguma-coisa foram fechando, na última década, ao ritmo a que foram abrindo metros e metros de superfícies comerciais. E ao ritmo a que foi aumentando o endividamento das Pessoas.
Produzimos cada vez menos e consumimos cada vez mais.
Sem surpresa, vamos ficar cada vez mais pobres.
Mas agora, do melhor economista, ao jornalista de economia, à associação de Defesa do Consumidor, passando pelo Governo e pela publicidade, todos nos convencem que para sobreviver à crise temos que ser (enquanto Consumidores) mais inteligentes.
E a suprema prova de inteligência está em comprar produtos mais baratos. Em comprar marcas brancas (“que são iguaizinhas às outras, só poupam na publicidade e por isso o Consumidor é que fica a ganhar”).
Aos 10 anos eu percebia isto perfeitamente.
Com a paixão dos 18 há coisas que me chateiam.
Por exemplo, que as (enormes) cadeias de distribuição tenham construído impérios à base de marcas alheias que agora vão descartando como quem troca de camisa.
Ou que usem as marcas para trazer pessoas às lojas com base em promoções que essas mesmas marcas pagam abundantemente, e uma vez lá as atraiam com todas as armas para a sua própria marca.
E que tenham aproveitado cada um dos anos das últimas duas décadas para ganhar sempre mais e mais margem, até ao ponto do sufoco total por parte das indústrias, de forma a que agora as têm (as poucas que por lá se mantêm) agarradas por um fio, quais marionetas.
E por isso, com a tal paixão e simplicidade dos 18, defenderia uma coisa muito simples: se uma cadeia de distribuição, numa qualquer categoria, quiser vender marcas próprias, tudo bem: deixa de poder vender marcas de terceiros; e vice-versa.
Isto significa evitar que alguém que é suposto ser “o mercado” (as cadeias de distribuição) seja também actor interessado no processo de fabrico, e portanto distorça as regras mais elementares quando toca a escolher as margens de comercialização, espaços de prateleira, destaques promocionais, etc.
Nada tenho contra o (evidente e pouco valorizado) mérito das cadeias de distribuição na construção das suas próprias marcas. Se é verdade que uma marca é uma relação de confiança, é óbvio que essa relação existe entre a generalidade das Pessoas e a sua loja preferida.
Apenas falo em nome de uma coisa que aos 10 anos já todos percebemos: a Livre e Sã Concorrência é boa, e deve ser defendida.
É a maneira de evitar que os meninos grandes batam sempre aos meninos pequenos.
Claro que ainda não falei da culpa que os meninos pequenos (de facto também) têm, mas isso fica para outro dia.
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