*Director de Marketing Volkswagen
O conceito de “accountability” é infelizmente difícil de traduzir para português e confunde-se com noções como a ética ou a sustentabilidade das organizações. Na realidade, ele implica o direito que todos temos de esperar das empresas (das Marcas em sentido lato) que elas prestem contas sobre a sua actuação.
Traduz-se portanto – possivelmente – por transparência: transparência nos processos, nas decisões, na forma de organização do aparelho produtivo, no modo de relacionamento com os clientes, os fornecedores, os stakeholders em geral , em suma, no impacto que têm na sociedade.
Esta “moda” da transparência, entretanto reforçada pela necessidade imperiosa de percebermos melhor as consequências das práticas do sector financeiro, teve o seu advento no período pós-ENRON, em que a lei Sarbanes-Oxley (conhecida e divulgada pelo nome de SOX) veio instituir novos padrões de inspecção, regulação e disciplina das organizações.
Para as empresas, esta necessidade de”mostrar” responsabilidade passou a ser uma componente importante da sua imagem (da imagem das Marcas também, claro), com todos os riscos que o excesso de transparência produz, porque muitas vezes entra em ruptura com a cultura tradicional das empresas. Até que ponto devem as organizações expôr-se ao público?
Existe um outro lado da moeda: todos os públicos interessados nas Marcas (consumidores, investidores, fornecedores, parceiros, colaboradores) passaram a escrutiná-las de forma despudorada. Ao emitirem a sua própria opinião sobre as Marcas, nas mais diversas plataformas Web, retirando-lhes o controle da comunicação, as “pessoas” exigem delas um comportamento “hiper-ético”, acima de qualquer suspeita, como se – por essa via – quisessem limpar a sua (delas) própria consciência.
A Nike produz no Oriente com recurso a mão-de-obra infantil? A Marca vê-se condenada na sua imagem , e pior, nas sua actividade comercial, de forma perigosamente viral. Afinal, uma mãe de família não pode ser coerente consigo própria se comprar sapatos produzidos nestas condições. E tem que manifestar em público a sua boa consciência traduzida na sua antipatia pela Marca.
As Marcas navegam nesta onda de forma perniciosa: aproveitam a “moda” do novo consumidor ávido de aderir a bons comportamentos, e antecipam-se às expectativas.
Exemplos:
As empresas de Rent-a-car passaram a disponibilizar, com tarifas preferenciais, carros menos poluentes aos seus clientes, assim como grandes empresas públicas incluem nos seus concursos de renovação de frotas automóveis cláusulas que vão no mesmo sentido. E algumas Marcas automóveis propõem plantar uma árvore por cada carro que vendam, tentando assim compensar a pegada de carbono, chegando a oferecer uma semente a cada cliente…!
Ninguém se lembra hoje da companhia aérea inglesa Silverjet. Desde o seu lançamento em 2006, todos os bilhetes incluíam obrigatoriamente no preço uma contribuição para anular as emissões de carbono, a qual revertia a favor de projectos “amigos do ambiente”. A empresa foi galardoada com o prémio “Environmentally Aware Airline 2007”.
Um ano depois, a contribuição obrigatória incluída no preço passou a facultativa, deixando a escolha aos clientes mais sensíveis ao ambiente. Um ano depois, a companhia faliu.
Ironicamente, os “first movers” podem esbarrar no paradigma mais perverso: as pessoas são responsáveis enquanto ganharem alguma coisa com isso.
NOTA FINAL: Existe em Portugal um ranking das empresas “responsáveis” estabelecido pela agência Sair da Casca, que tem, senão outro, pelo menos, o mérito de existir. Não é nada surpreendente ver que, nos lugares cimeiros, aparecem essencialmente empresas públicas – EDP, CTT, REN – que escolheram como forma de ultrapassar a “comoditização” dos seus produtos e serviços o eixo estratégico da Responsabilidade.
Comentários (0)