10 de junho de 2009

Opiniões que Marcam

A conversa foi curta e resultou de um encontro fortuito. Nós, que andamos permanentemente em busca de boas histórias, apaixonámo-nos por esta e eu, em particular, quero partilhá-la consigo. Pela genuinidade, pela forma como foi contada, pela sensibilidade do seu protagonista e por não ter tido vergonha de agarrar num lenço para limpar a lágrima que lhe saltou dos olhos. Pela graça do local, pelo óptimo produto e acima de tudo pela vontade de dar a volta quando a vida teima em querer traçar a perna…



 


Deixemo-nos de suspense. Este episódio, tão rico por ser tão humano, aconteceu com a nossa equipa de gravações no centro histórico de Ourém. Estávamos no final das gravações quando o Sr. Augusto Gonçalves, um homem na casa dos seus 50 anos, nos abordou com a curiosidade própria de quem não costuma ver a televisão no local. Perguntou-nos de onde éramos e convidou-nos a ir beber uma ginjinha no final das gravações. Aliás, quase nos obrigou… Achámos graça à abordagem e aceitámos o convite. Estávamos longe de imaginar que história escondia aquele bar…O nosso tempo era curto mas ainda assim quisemos saber mais sobre um local tão raro nos nossos dias.


 


A ginjinha d´O Castelo de Ourém ainda «se veste» de mercearia antiga. Preserva o balcão e as prateleiras de que me recordo da infância quando também ia à mercearia lá da aldeia. Claro que não resisti a comentar a graciosidade de preservar a tradição e foi nesse momento que o Sr. Gonçalves nos contou a história daquela morada. A casa, antiga pertença do alcaide, existe desde 1636. Está na família há mais de 100 anos e foi comprada pelo seu avô para ser uma mercearia. “Isto era uma casa que vendia tudo. Petróleo, sapatos, pastilhas e gelados, sabão, bolachas, pijamas…”, comentou recordando o passado, “mas depois veio o Intermarché e acabou com tudo”, rematou, com tristeza no olhar. Nessa altura, em 1993, Augusto Gonçalves sentiu na pele a necessidade de dar a volta à sua vida. As hipóteses não eram muitas e foi aí que pensou em dinamizar o velho negócio da «venda de copos» que dava o ganha-pão à família quando ele era pequeno.


 


A sua mãe, hoje com 84 anos, e que também conhecemos, começou a servir vinho a copo aos 7, no balcão ao lado dos produtos da mercearia. E vendia… só que com o fim da mercearia, com a mudança de hábitos de consumo e o envelhecimento da população local, o negócio também se foi perdendo.


 


Augusto Gonçalves não foi de modas: investiu na ginjinha. Os clientes, hoje, devem agradecer porque o néctar não é para menos! Desde essa altura a taberna típica d´O Castelo de Ourém não parou de encher copos daquela delícia local. “Temos dias de casa cheia até à uma da manhã. E cheia de gente jovem que vem de todo o lado, inclusive de Lisboa”, refere com orgulho. O mesmo orgulho que o leva a dizer que foi graças a ele que aquele local não caiu no esquecimento: “antes às 7h da noite já não se via aqui ninguém na rua, e era assim até ao outro dia. Agora fazem-se festas e romarias, há sempre gente por aqui. Eu sei que ajudei a dinamizar muito este local e isso faz-me sentir bem”.


 


O Sr. Gonçalves tem um bom produto, é um óptimo relações públicas, manteve o lado histórico do negócio – o que hoje vale muito, pelo menos para quem já não encontra isso nas grandes cidades – é um dinamizador local e acima de tudo é humano e humilde…


Tocou-nos quando percebemos que lhe saltou uma lágrima do olho por lhe ter dito que gostava de contar um pouco da sua história. “Nunca ninguém se interessou por isso”, confessou-me com o lenço de pano na mão, à moda antiga.


 


O Sr. Gonçalves mostrou um lado humano que já não se encontra nas cidades. Fez-me lembrar a Srª Rosa da mercearia dos Casais dos Penedos, a aldeia onde cresci, ou do Sr. Chico, o barbeiro do meu pai que com 80 anos ainda cortava o cabelo – mas só entre o nascer e o pôr do sol…


 


Quando voltamos a estes meios mais pequenos percebemos que a vida é muito diferente. Ainda se sente o coração e a alma das pessoas. Mesmo nos negócios! E é acima de tudo isso que vale a pena assinalar aqui. Para além, naturalmente, de valer muito a pena visitar aquele local pela viagem ao tempo que se faz e pela delícia que é a Ginjinha d´Castelo de Ourém. Uma nota final, que é também um conselho do proprietário da patente: deve beber-se bem fresquinha!

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