A ideia mais antiga do Carnaval é a de instalar, como se costuma dizer, um intervallum mundi por três dias. Um intervalo de crítica e transgressão, mas cujo sentido profundo sempre foi o da renovação; abolir barreiras entre o homem e a natureza, estimulando a circulação da força da vida, mas virando a norma ao contrário.
Fora das folias habituais, fomos procurar um Carnaval diferente, místico, sobrenatural, que atesta a alma guerreira do povo de Trás-os-Montes e que configura uma das principais marcas do concelho de Vinhais.
As famosas máscaras produzidas na aldeia de Ousilhão cumprem o virtuoso ciclo de expressão e renovação artística, pela mão de duas gerações de artesãos. São esculpidas de maciços troncos de madeira de castanho e são, por si só, uma transgressão, um fingimento, um acto de transcender o real, através de metáforas estéticas de extrema densidade dramática.
Usar uma máscara é “embutir” uma personalidade. O homem primitivo fazia-o com máscaras de animais para tomar a sua força, no Egipto usavam-se para espantar demónios, no teatro Grego para enfatizar a força da representação.
Por aqui as máscaras – os caretos, carochos, chocalheiros ou farandulhos – são um recurso expressivo da nossa riqueza cultural que, a brincar, nos chocalham a consciência.
Em Vila Boa, aldeia vizinha de Ousilhão, na noite do Entrudo, também eu fui um dos caretos, trajado a rigor com fato completo, cinto de chocalhos e polainas; juntei-me a uma folia primitiva que procura, no Carnaval, expulsar os males dos humanos e animais, o frio do inverno e o gelo do coração.
Esta é uma marca muito pequena na sua expressão física, são poucos os caretos, mas é uma marca imensa na sua expressão simbólica. Escolhi-a não apenas pelo potencial directo que representa para a indústria do artesanato, mas pela sua mensagem transgressiva, que me permite amplificar a chamada de atenção para a aposta que temos de fazer nos pequenos aspectos qualitativos do nosso País.
Temos o Carnaval para brincar às máscaras, ou às marcas, mas temos a obrigação de o aproveitar, para que durante o resto do ano sejamos capazes de desmascarar os males da incompetência que insistem em desvalorizar as pequenas marcas do nosso País.
Quem sabe, com a ajuda das nossas genuínas e destemidas “marcaras” como os caretos, pudéssemos organizar uma estratégia transgressiva para assustar a crise. É que temos genuinidade suficiente, em Vinhais e um pouco por todo País, para fazermos de Portugal uma grande marca.
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