Um sábado destes fui jantar fora com uma amiga para pormos a escrita em dia. Conversámos, rimos, desabafámos e decidimos continuar a noite noutro sítio onde se pudesse falar sem ser aos gritos e fumar. Onde vamos, onde não vamos, e ela lembra-se de me apresentar um bar que abrira há relativamente pouco tempo, com uma vista espectacular sobre Lisboa, daqueles sítios que é chique conhecer em primeira-mão, antes que esteja muito divulgado.
Eu não sabia ao que ia mas fiquei estupefacta. Entrámos para um hall, um hall normalíssimo de um bom prédio, onde não se vislumbrava qualquer indício da presença de qualquer espécie de bar e nem sequer se ouvia o mais vago som de música, com uma iluminação algo soturna. À porta, um porteiro. Mas um porteiro-porteiro. Não daqueles porteiros-seguranças de cabelo rapado, t-shirt e músculos, mas um senhor, no género daquele mordomo que aparecia nos anúncios antigos do Sonasol, cheio de compostura e trajado a rigor.
Ao lado do porteiro atrás de uma pequena mesa, estava uma senhora que se aproximou de nós com um caderninho na mão, qualquer coisa entre uma recepcionista e uma relações públicas, a perguntar se tínhamos telefonado a marcar pois sem marcação, como devíamos compreender, não era possível entrarmos, tratava-se de um “clube privado”. Gerou-se um ambiente de alguma tensão, mas sempre com muita cerimónia, o porteiro impávido como compete, enquanto a minha amiga cheia de dignidade ia dando o nome e o contacto para uma próxima vez.
Pela minha parte, pensei que estava a ter um déjà vu. Há vinte e tal anos atrás era assim. Lembrei-me de sítios onde só entrava quem era conhecido, quem “fazia parte”; de sítios com uma entrada para as pessoas comuns, que faziam bicha à porta (na altura dizia-se “bicha” e não “fila” como agora), e o “privé” destinado apenas a uma elite. As pessoas eram barradas à porta com a maior displicência. Naqueles locais da noite havia uma selecção social assumida, encarada com naturalidade, e que tornava determinados sítios quase em mitos.
Mas agora, em pleno 2008? Não me contive e exclamei alto e bom som:
- Sandra, que sítio é este? Isto não existe! Isto já não se usa!
E de repente veio-me à ideia aquele clube do “Eyes Wide Shut”, do Kubrick , um sítio de perversão ultra-sofisticada. E continuei:
- Isto não é nenhuma casa de passe, pois não?
Apesar disto deixaram-nos entrar, o que foi realmente muito simpático.
O que é curioso é ver como nascem as tendências ou, melhor, como renascem. Estava convencida de que a facilidade de acesso aos locais da noite era um movimento irreversível. Que a selecção se faria de forma cada vez mais espontânea e sobretudo pelo que se pode ou não pagar. Na roupa e na decoração já se sabe que a moda vai buscar inspiração ao passado. Mas nos costumes? Será este novo bar lisboeta um sinal do despontar de uma tendência ou apenas um caso isolado?
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