Admito que frequento o festival há relativamente pouco tempo (5 aninhos) e que por isso perdi a época da tripa forra. Mas a verdade é que para mim a experiência era sempre qualquer coisa entre o deprimente e o anacrónico.
Ou se calhar era uma coisa por causa da outra.
Há já quase 10 anos que a industria da publicidade é um grande Titanic que se afunda lentamente depois de ter embatido no iceberg da revolução digital. Ele estava lá à vista de todos mas a miragem dos egos e o conforto régio das cabines de primeira classe preferiam acreditar que nada atingiria esse grande paquete construído com a soberba de se achar invencível.
No convés, uma mistura dos que em pânico tentam com desespero salvar-se com os outros que preferem continuar a beber champanhe ao som de uma orquestra a quem pedem que continue a tocar a música de sempre.
Quando eu ia a Cannes, ia ver a banda tocar.
E regressava triste, nostálgico e certamente desesperançado.
Até este ano.
Não vou falar da agência do ano ou das campanhas que arrasaram os prémios (uma delas da McCann) ou da irrelevância de ter sido um português que liderou uma das campanhas mais premiadas (o que é que interessa o passaporte de alguém que é talentoso?). Porque nisso, esta edição de Cannes foi mais uma igual a tantas outras. E sobre isso tudo, toda a gente vai escrever e muito.
Já a mim, o que me interessou nesta edição de Cannes foram 4 coisas muito especificas:
1. Qual crise?
Sim, a indústria da publicidade está a esboroar-se. Mas a indústria da criatividade não. Os modelos tradicionais sustentados em margens injustas e baseados na interrupção da vida dos consumidores estão a desaparecer. Mas a criatividade está mais em alta que nunca porque ela é mais necessária que nunca. Este ano – e contra todas as previsões – bateram-se os mais importantes recordes: número de participantes no festival, número de entradas/inscrições para prémios e número de clientes presentes. Os hotéis estavam a abarrotar, como estavam os restaurantes e os cafés de Cannes e das cidades ao redor. As infraestruturas da cidade estavam a trabalhar na sua capacidade máxima, a fervilhar de profissionais que fazem da sua vida criar conteúdo criativo que hoje se expressa sem limitações no universo digital.
2. Inovação com Leão.
Pela primeira vez na história de Cannes, lançou-se um prémio para inovação. O que diz muito e tudo sobre o facto da industria ter percebido finalmente que tem que premiar quem conseguir encontrar saídas para o seu futuro.
E o que é ainda mais revelador? Os proponentes a este Leão, tinham que poder explicar e defender ao vivo e em presença e frente ao júri, a razão pela qual acreditam merecer a distinção a que se estão propor. Ou seja, a indústria percebe finalmente que se quer ter futuro, não pode continuar a premiar campanhas falsas, ideias fantasmas de sucesso duvidoso mas desenhadas para ganhar nos festivais.
3. O novo establishment
Nos anos passados, as tecnológicas tinham feito presenças tímidas. Eram os “nerds” que chegavam à festa dos meninos ricos. Estavam lá mas era quase por favor.
Este ano, no ano em que Cannes celebra 60 anos, as tecnológicas dominaram a agenda oficial e – o que é mais revelador – a agenda social da Croisette.
A Google liderou seminários a abarrotar de gente enquanto a sua tenda concorria com a do Yahoo do outro lado da praia. Levou vários leões para casa sendo que os prémios das velhas agências foram eles próprios ganhos sempre e quando medidos pelo sucesso no YouTube. Já o Tumblr apresentou um dos seminários mais falados da semana e decidiu patrocinar o mítico Gutter Bar – um ícone social para jovens criativos. Em resposta, a Spotify atraía o novo talento todas as noites com um pequeno bar que se tornou a nova paragem obrigatória no roteiro social da Croisette, ali mesmo nas barbas do terraço do Carlton, onde a velha guarda instalada, pedia whiskies a 30 euros por copo e tinha comportamentos para uma idade que já não tem.
4. Clientes: os novos leões
Nesta edição houve mais clientes do que nunca. O Festival foi dedicado ao grande anunciante de todos os tempos: a Coca-Cola. Os seminários são hoje em dia divididos com clientes. E o que a Unilever tem a dizer importa. Como importa o que diz a MasterCard, a McDonald’s, a Craft e a Procter & Gamble. Os clientes sabem que hoje, no mundo fragmentado pela revolução digital, o sucesso das suas marcas depende do ritmo a que conseguirem impor inovação e criatividade na forma como lançam conteúdo, como se tornam magnéticos e como interagem com os seus consumidores. Precisam de ideias novas, revolucionárias e diferentes todos os dias e permanentemente. E para isso eles vão pescar onde o peixe se acumula em grandes cardumes: em Cannes.
Saio de Cannes, pela primeira vez, a sentir-me optimista.
Simbolicamente, este foi o ano em que a mais antiga das networks mundiais – aquela em que eu trabalho – conquistou o seu record histórico de 66 leões em grande parte graças àquela que é já a campanha mais premiada de sempre na história de Cannes. Um viral composto ao redor de um jingle – não mais do que um jingle – e que tomou conta das redes sociais com mais de 50 milhões de visualizações só no YouTube. “Dumb Ways to Die” é ironicamente – até no nome – um hino à esperança renovada nas indústrias criativas. No que diz respeito a metáforas, estamos conversados.
Muito interessante e bastante funcional e prático!!!