Imaginário coletivo e as marcas*

11 de setembro de 2014

Imaginário coletivo e as marcas*

Elizete de Azevedo Kreutz, Presidente do Observatório de Marcas, Editora Regional da revista científica BrandTrends e professora-investigadora da Univates - Brasil

A identidade visual é um conjunto de elementos visuais (imagens) que são percebidos pelo público, por estarem baseados no imaginário coletivo, e que sintetizam e expressam os valores da marca contemporânea, identificando-a e diferenciando-a das demais concorrentes.

Considerando que a identidade visual baseia-se no imaginário coletivo para representar, por meio da imagem, determinados valores da marca contemporânea que necessita identificar-se com seu público, ao mesmo tempo em que necessita diferenciar-se das demais marcas, por meio de um processo representacional, é fundamental compreender o processo de construção do imaginário coletivo.

Negada por mais de oito séculos, considerada a “louca da casa” ou outros conceitos pejorativos como “pré-lógica”, “primitiva”, “pensamento místico”, “senhora dos erros”, a imaginação reconquista sua dignidade e seus direitos de participação na sociedade por meio dos estudos de Freud, Jung, entre outros. Assim, os conceitos pejorativos aos pouco vão sendo substituídos por “arquétipos”, “outra lógica”, “participação”, não se opondo mais à palavra “civilizada”, como argumentavam os senhores das Luzes (Durand, 1998), mas reconhecida como arquiteta da própria evolução da sociedade.

Essa reviravolta de valores permitiu fundar a “Sociologia do Imaginário”, cujos inúmeros estudos tentam dar conta da imaginação e do imaginário (Durand, 1998). Mas qual pode ser o papel do imaginário, a partir das suas forças menores como o sonho, o jogo, o devaneio na construção, manutenção ou transformação de uma cultura?

Para Durand (1998), todo pensamento humano passa por articulações simbólicas, ou seja, é sempre uma re-presentação. A maturação lenta do homem permite que o meio (social) contribua para a construção do imaginário, conector obrigatório por meio do qual se forma toda e qualquer representação humana.

Sendo a imaginação ato de um ser social, ela obedece a esquemas de reorganização que são comuns ao grupo, ao mesmo tempo em que obedece à elaboração do ideal do eu, sujeito às influências ideológicas. Essas adaptações constantes entre os grupos sociais e o sujeito, e vice-versa, constituem as mudanças sociais. Elas são potencialidades que emergem transformando-se em manifestações.

Dividida em seis fases, a Bacia Semântica é uma metáfora potamológica que permite a integração de evoluções científicas, como a de Waddington e Sheldrake, e permite, também, uma análise mais detalhada de uma era ou área do imaginário: seu estilo, mitos, condutores, motivos pictórios, temáticas literárias, entre outros.

Para representar o imaginário no jogo social, Durand faz uso do conceito freudiano de ego-superego-id. Para ele, o ego é a zona de estratificações, no qual são modelados os papéis conforme a classe social, faixa etária, sexo, entre outros, ou papéis valorizados – aqueles institucionalizados positivamente, em um conjunto coerente de códigos próprios – e os marginalizados – underground, de fluxos pouco coerentes que constituem o “fermento” das mudanças sociais.

O superego é a sociedade que organiza e racionaliza em códigos, planos, programas, ideologias e pedagogias, os papéis positivos do ego sociocultural. O id é o inconsciente coletivo de Jung ou inconsciente específico “que está ligado à estrutura psicológica do animal social” (Durand, 1998, p. 93); é o campo dos esquemas arquetípicos em que se forma “quase no estado de origem das imagens simbólicas sustentadas pelo meio ambiente, especialmente pelos papéis, as personae (as máscaras), desempenhando o jogo social” ( Durand, 1998, p. 94).

A Bacia Semântica é a dinâmica desse imaginário, cuja primeira fase é o escoamento. Para Durand, “em qualquer conjunto imaginário delimitado sob os movimentos gerais oficiais institucionalizados transparece uma eflorescência de pequenas correntes descoordenadas, disparatadas e frequentemente antagonistas” (Durand 1998, p.105). São imaginários marginalizados que, aos poucos, infiltram-se no “corpo social” provocando conflitos, que é a segunda fase da Bacia, chamada divisão de águas. E, ao haver um reconhecimento por parte das autoridades, personalidades ou instituições, essa ação marginal passa a ser aceita pela sociedade, é a confluência, a terceira fase.

Após essa “aceitação”, é preciso dar nome ao rio, quarta fase. Na consolidação teórica, na qual, com frequência, ocorrem exageros de certas características da corrente pelos “segundos fundadores”, é preciso passar à organização dos rios, a quinta fase. A sexta fase, os deltas e os meandros, ocorre quando a corrente mitogênica – o inventor dos mitos – que transportou o imaginário específico ao longo de todo o curso do rio se desgasta atingindo uma saturação limite, deixa-se penetrar, aos poucos, pelo escoamento de outras potências.

A nossa interpretação dessa proposta de Durand é representada pelo diagrama a seguir.

Bacia_elizete

Esta metáfora da Bacia Semântica utilizada por Durand apresenta a mutação como um processo dinâmico da vida. Segundo o autor, a sua duração é variável, pois depende tanto do imaginário oficial, codificado e manifesto, quanto do seu oposto, o imaginário recalcado, selvagem e latente.

Em tempos de internet, de participação intensa dos públicos e da alta velocidade com a qual as formas simbólicas circulam pelas redes sociais digitais, nos perguntamos quanto tempo é necessário para mudar o imaginário coletivo e qual é o papel das marcas nesse processo?

*Extraído do texto original:

KREUTZ, Elizete de Azevedo. Identidade visual mutante: uma prática comunicacional da MTV. Porto Alegre: PUCRS, 2005. (Tese).

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