Eu também sou cliente

11 de dezembro de 2013

Eu também sou cliente

João Geada, Zé da Zémaria

Muitos marketers do mundo sofrem de uma certa falta de empatia e humildade que os torna incapazes de ser clientes como os outros e de entender os clientes como os outros.  Digo isto com algum conhecimento de causa e apoiado numa verdade irrefutável: Os Clientes das agências não são Criativos, mas todos os Criativos são clientes, e muitas vezes até das marcas que são nossas clientes.

Pois é, agora é que vos apanhei,  é que além de anos e anos a alimentar-me de cultura, estratégias, histórias, comportamentos, técnicas e estéticas, design e tantas outras coisas, a estudar e a desenvolver ideias para campanhas e para soluções que pretendem fazer as marcas terem melhores performances, também fui interagindo com as marcas de outra forma, como cliente delas. Aliás sou cliente desde pequenino, até há bastante mais tempo do que sou Designer.  Pelo sim pelo não vou dizer isto também em  marketês:  além de criativo também sou target, consumidor, freguês, alvo, ou pato, em alguns casos mais extremos.

Parecendo que não, isto dá-me uma vantagem tremenda sobre as opiniões que tomam sobre o meu trabalho, aliás, aproveito esta ser a última vez que escrevo aqui este ano e deixo-vos 8 dicas, grátis como qualquer cliente gosta, que algumas dezenas de anos de experiência mista Criativo/Cliente me permitiram compilar. Aqui vão elas:

1 – Os vossos clientes não são estúpidos

Como cliente asseguro-vos que não tenho nada de estúpido. Se por vezes o pareço é por um de dois motivos, ou nunca experimentei diferente, e por isso acredito em tudo o que me disserem até o fazer, ou o que têm para me dizer não me interessa nem um bocadinho, por isso ignoro-vos.

2 – Os vossos clientes não são preguiçosos

Provavelmente confundiram outra vez a falta de interesse que tenho nas vossas propostas com preguiça. Nada disso. Quando uma coisa me interessa sou capaz de virar mundos e fundos, mas acho que meter mais uma fotografia a usar o vosso produto ou fazer uma frase ‘criativa’ com a vossa marca, não preenche esse requisito básico.

3 – Os vossos clientes têm tempo

Tenho tempo sim senhor. Tenho tempo para a Nike quando me promete a história de pessoas que se conseguem superar a si mesmas, para a Apple quando me fala na magia de pensar diferente ou para a Sumol quando me toca na alma com o seu manifesto a apelar à manutenção da originalidade. Não tenho tempo para gajos com vozes parvas a dizerem que eles é que não são parvos, para trocadilhos fáceis, para promoções de coisas que não me interessam mesmo que não estejam em promoção, para anúncios que não quero ver antes do vídeo que quero ver no Youtube, etc, etc. Tratem-me mais como uma pessoa e menos como um potencial consumidor e vão ver que arranjo tempo para vos dar atenção.

4 – Os vossos clientes gostam de humildade

Uma das coisas que mais me aflige nos profissionais de marketing com que me tenho cruzado, é aquele vestir de camisola mal entendido, que os faz acreditar que a sua marca é uma coisa sobre-humana e que, como tal, não pode falhar. Isto normalmente resulta em grandes crises quando as coisas falham. Aposto que quando foi do vídeo da Pepa, a malta da Samsung deve ter ficado para morrer ou para matar os responsáveis e agora no mais recente caso da Pepsi, imagino as reuniões que já devem ter sido feitas para gerir a confusão que os suecos provocaram. Eu pessoalmente, cometo bastantes erros e quando o faço, resolvo a questão da seguinte maneira: Assumo o erro, peço desculpa a quem foi afectado por ele e analiso os motivos que me levaram a cometê-lo para não voltar a acontecer. Se deixarem essa pretensa infalibilidade de lado e fizerem o mesmo, vão ver que as pessoas não esquecem, mas perdoam.

5 – Os vossos clientes adoram transparência

Não confundir com colocar ‘transparência’ como um dos 5 valores da vossa marca, no powerpoint de apresentação institucional, estou a falar de comportamentos transparentes que levem a ofertas transparentes, do estilo não chamar ‘fidelização’ a uma obrigatoriedade de permanência que é paga com multas absurdas quando não é cumprida. Ou em vez de fazer Fundações para mostrar ao público que se tem consciência social, aplicar a dita no próprio core da empresa, tipo tarifas mais baixas para pessoas com rendimentos mais baixos. Ou oscilações de preços que sejam justificadas por factores reais de afectação do negócio em vez de usar motivos que possam ser erradamente percebidos como tal e permitam manter as margens intocadas. Ou não prometer coisas que depois não são rigorosamente verdade, como fibras com velocidades estonteantes que depois não são nem uma coisa nem outra, e por aí fora.

6 – Os vossos clientes não são infiéis

Sou exigente e sensível mas também sou sério e justo. Se me tratarem bem, como algumas marcas tem feito, fico com elas para sempre e gasto fortunas com elas. A titulo de exemplo, ando de mota desde os 16 anos e sempre comprei motas da mesma marca ou trabalho com computadores há mais de 20 anos e nem me passa pela cabeça mudar de marca. Os motivos para o fazer são vários, mas acima de tudo, porque estas marcas nunca me desiludiram pensando o contrario daquilo que escrevo nesta missiva.

7- Os vosso clientes respeitam-vos

Não vos dizemos como devem fazer as coisas que esperamos que façam. Não pedimos para usar todos os produtos ou serviços que queremos, obrigando-vos a trabalharem de graça até escolhermos pagar apenas um deles, e até assumimos que sabem mais daquilo que vendem que nós e ainda ficamos felizes por isso.

8 – Os vosso clientes gostam de publicidade

Não gostamos de reclames repetitivos, intrusivos e chatos que se aproveitam da nossa atenção noutra coisa qualquer e tentam estimular o nosso lado mais animal com banalidades. Não gostamos que perpetuem a nossa ignorância obrigando-nos a levar com toneladas de coisas parvas e irrelevantes. Mas gostamos tanto de boa publicidade que até a procuramos na web, passamos tempo com ela, partilhamo-la nas nossas redes sociais e ficamos com coisas dela que nunca mais largamos. Ou seja, do que não gostamos mesmo é de má publicidade.

É isto. Este ano, pelo menos aqui, não digo mais nada. Fica mais uma vez o ponto de vista de um cliente com mais de 40 anos de experiência.

Feliz Natal e um 2014 a recuperar.

Avalie este artigo 1 estrela2 estrelas3 estrelas4 estrelas5 estrelas
23 votos
Loading ... Loading ...

Comentários (0)

Escreva o seu nome e email ou faça login com o Facebook para comentar.