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No artigo anterior, apresentámos as Marcas Mutantes como uma crescente tendência de estratégia comunicacional e de branding, embora ainda não esteja consolidada nem mesmo aceita por todos. O que todos concordamos é que, independentemente ser convencional ou não convencional, a marca deve ter um discurso multimodal coerente, pois ela é uma representação simbólica multissensorial, cujos significados são construídos socialmente por meio de grandes ou pequenos atos (discursos).
A construção de uma marca nasce da necessidade e/ou desejo de uma organização. Sendo assim, em primeiro lugar é preciso definir a identidade da marca (conceito). Esta é mais ampla do que a identidade visual (IV), é o que ela representa, significa para seus públicos, sua essência; é como ela quer ser percebida por eles. Já a identidade visual é a representação gráfica dessa essência.
Enquanto identidade visual, a marca baseia-se no imaginário coletivo para representar, através da imagem, determinados valores da organização contemporânea. Sua construção é um processo estratégico, pois a organização a adota de forma consciente para que o público possa identificá-la e diferenciá-la das demais organizações, devendo considerar as questões técnicas, semânticas e persuasivas. As questões técnicas são as mais básicas e sem as quais as demais não existem, são dependentes. As questões semânticas, produção de sentido, é fundamental para a marca, posto que ela é representação simbólica. As questões persuasivas são qualidades de poucas marcas e estão vinculadas à excitabilidade, ao desejo, à emoção provocada por elas.
Como vimos no artigo anterior, as Marcas Mutantes pode ser Programadas ou Poéticas. As Programadas são aquelas cujas determinadas variações/mutações ocorrem por um tempo também determinado. As Poéticas são aquelas cujas variações ocorrem espontaneamente, sem regras pré-determinadas, obedecendo apenas ao intuito criativo do designer, mas gerando uma comunhão com o público.
Assim como as marcas convencionais, as Marcas Mutantes, enquanto identidade visual, devem considerar as questões técnicas, semânticas e persuasivas. O diferencial das Marcas Mutantes é que permitem a interação do público: geram expectativa em seus públicos e os convidam a interagir. Em algumas delas essa interação é interpretativa e outras, interferem inclusive no desenho, agregando outros sentidos. Sendo assim, podemos afirmar que as Marcas Mutantes estão baseadas em 4 eixos: as questões técnicas, as semânticas e as persuasivas e a interativa.
O processo de construção de sua representação visual de uma marca mutante passa por sete fases, além de considerar as informações básicas quanto à organização (seus valores, cultura e objetivos), ao público (seus valores culturais e econômicos, repertório) e às questões técnicas, semânticas, persuasivas e interativas. As fases são:
- Identificar a natureza/essência da marca: cada marca possui sua visão de mundo e sua missão nele e desenha sua personalidade ao longo de sua existência pelo seu discurso multimodal.
- Determinar a percepção de marca desejada: a organização necessita determinar qual é a imagem que deseja que os públicos tenham da marca. Esta determinação da percepção desejada também é conhecida como identidade (global) da marca, é o que a marca diz ser.
- Considerar as características desejáveis: as mais recorrentes de uma IV são conceito, originalidade, significado claro, persuasivo, memorável, usabilidade (cores apropriadas, adequados em PB, adequados para veículos, adequado para mídia, renderizável em 3D, pronunciável) e dinamismo.
- Determinar a IV Base: a função da IV é a representação visual da essência da marca, ou seja, ela deve ser a síntese gráfica dos valores da organização e poderá conter: nome, tipografia, símbolo e cores. É o esqueleto, é a identidade principal registrável no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e da qual poderão surgir as mutações.
- Características Mutantes: as mais recorrentes são fragmentação, cor, tipografia, forma, nome/palavra, imagem, movimento, entre outras.
- As coleções de Identidade(s) Visual(is) Mutante(s): coleções são conjuntos das variações de uma IV sobre o mesmo tema.
- Campo Interativo: abertura dada para que o público interaja com a marca. A interação pode ser interpretativa e ou apropriativa (ação de modificar graficamente a marca).
Um exemplo de aplicação deste método de construção de Marca Mutante é o Perseguidor – Jazz Club, de Santiago do Chile. Sua essência: o jazz, a improvisação, a interação com o público, cujo nome foi inspirado na obra de Julio Cotázar, “El Perseguidor”. Sua representação visual: convencional, fixa, rígida há 10 anos. Em nossa opinião, não havia coerência no discurso multimodal da marca, pois sua representação visual (estática) não honrava sua essência (jazz). Após análise da marca, inserida em seu contexto sócio-histório, dos elementos visuais que constituiam sua identidade visual, estudos sobre a história do Jazz (mundial e chileno) e sobre o conto El Perseguidor. Nossa proposta foi criar uma Marca Mutante Poética, cuja representação gráfica foi desenvolvida pela designer Joana Heck.
A essência da organização (fase 1) é ser um clube de jazz que promove experiências para os seus públicos: viver a música. A percepção desejada (fase 2) da marca é que esses públicos percebam o Perseguidor como “um ambiente onde as pessoas possam passar algum tempo com os amigos, em uma atmosfera amigável e acompanhado pelo melhor do jazz ao vivo” (Perseguidor, 2012, online). As as características desejáveis (fase 3) são: aberta, inovadora, artística, indeterminada, subjetiva, criativa, original, em constante transformação valorizando o caráter exploratório e a improvisação.
Tendo definidas a identidade visual-base (fase 4) e as características mutantes desejadas (fase 5), podemos determinar as coleções de IVM (fase 6). As coleções sugeridas são: jazzistas mundiais; jazzistas chilenos; artistas influenciados pelo jazz ; instrumentos; datas comemorativas do jazz; miscelânea; nonsense.
Por fim, a última fase: “o campo interativo” permitindo que o público interaja com ela.
Não é possível determinar limites para as mutações das marcas (forma, tipografia, cor, palavras, integração/fragmentação, entre outras características), posto que a Marca Mutante tem liberdade total de escolha. Sempre existirão traços de identidade que permitirão o seu reconhecimento e identificação. Entretanto, ela deverá ter uma identidade visual básica que norteará as mutações, sem necessariamente limitá-las, e será útil quando se trata de proteção legal, pois até o momento o INPI não prevê proteção às mutações. O registro de marca (identidade visual) segue as regras existentes, portanto, atualmente seria inviável registrar cada mutação por dois fatores: tempo e investimentos financeiros.
A partir da identidade visual-base podemos criar um número infinito de propostas, dependendo apenas da competência e performance do designer que deverá ser um profissional bem preparado e com a percepção aguçada, como um jazzman, que lhe permite fazer improvisações para provocar e interagir com as reações do público.
Para o Perseguidor, até o momento, foram produzidas 42 variações e, como vimos, a Identidade Visual Mutante Poética se torna inusitada, interessante, surpreendente atraindo o público para a interação e mantendo uma comunhão dele com a marca.
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