A Manta do Alentejo é uma das mais antigas marcas de origem, do nosso Portugal Genial. A contar histórias da nossa identidade desde o século XIII, sobreviveu aos sucessivos ciclos da indústria têxtil, e manteve-se até aos dias de hoje.
As iluminuras de um dos códices das Cantigas de Santa Maria de Afonso X, sugerem que já existiriam, em tempos medievais, dois sistemas decorativos: a manta de riscas, objecto do quotidiano, e a manta grave, com figuras geométricas, na sua variante ‘montanhac’.
Na segunda metade do século XV, a produção produção de mantas disparou com a enorme procura do mercado externo. Será provavelmente a semelhança estilística com padrões decorativos do Norte de África que explica o enorme sucesso que este artigo alcançou no comércio português com a Costa Ocidental Africana nos séculos XV e XVI. Na feitoria de Arguim, a manta do Alentejo era uma das mercadorias mais procuradas para ser usada como moeda de troca no resgate de escravos.
A manta era usada como agasalho no trabalho agrícola ou pastoril, em viagem, no dorso do cavalo, ou como cobertura para as camas. Era um objecto comum de qualquer casa alentejana e talvez por essa razão não se lhe tenha sido dado o devido valor, e seja hoje difícil encontrar peças bem conservadas.
Ainda hoje se fazem mantas segundo processos e modelos tradicionais, com lã de ovelha merino e campaniça.
As mantas de Mértola, atualmente feitas apenas pelas mulheres da Cooperativa Oficina de Tecelagem, e muito menos conhecidas do que as de Monsaraz, são um verdadeiro artigo de luxo. Quem as vê não adivinha o que representam em termos de preservação de saberes quase extintos.
Estas mantas nascem nos teares com mais de 300 anos, que a cooperativa mantém a funcionar, e são feitas hoje, como há séculos atrás. A sua lã é diferente de todas as outras lãs portuguesas. É macia como mais nenhuma. Vem das ovelhas merino e campaniça, autóctones da região, e é tratada de forma totalmente manual até chegar ao tear. É ainda hoje fervida em pequenos cestos na margem do rio, aberta, cardada e azeitada à mão e fiada em pequenas rodas artesanais. As cores das mantas são as da própria lã: branca, preta e sernubega (o castanho café com leite da ovelha campaniça).
Cada manta representa um sem fim de horas de trabalho. São verdadeiros tesouros têxteis.
Em Reguengos de Monsaraz há também uma fábrica de lanifícios que ainda funciona com teares manuais de madeira, uma tradição preservada por Mizette Nielsen, holandesa, a gerir a fábrica há cerca de 50 anos, e que não se cansa de defender este património genial.
Mal se entra na fábrica da Mizette ouve-se o som da lançadeira a lembrar que ali ainda se produz em teares manuais de madeira.
Cruzam cores e motivos atuais. Cruzam a tradição com a modernidade.
Ao serviço, apresentam-se quatro mulheres, que ocupam os bancos em tempos destinados aos homens, até que o futuro lhes trouxe a oferta de trabalho na construção.
A fábrica estava sempre presente em feiras nacionais e internacionais e tinha distribuidores nos EUA, Reino Unido, Escandinávia. Tudo corria bem até ao ano de 1986.
Com a globalização intensificou-se a concorrência internacional, e todos os clientes estrangeiros diminuíram as encomendas. Iniciava-se um processo sem retorno. As pesadas mantas alentejanas de agasalho, iam sendo cada vez mais substituídas pelos leves e modernos “edredons”.
A grande quebra de produção na Fábrica Alentejana de Lanifícios originou uma série de despedimentos, o que levou a Mizette a começar quase do zero, e a visionar nos tapetes, uma forma de dar continuidade ao projeto.
A fábrica não voltou a recuperar a pujança de outros tempos mas continua ativa até hoje.
Estreitou-se a relação com a hotelaria, que começou a usar as mantas como factor de diferenciação e de celebração da identidade Alentejana.
No L’and Vineyards existem cerca de 100 tapetes únicos, desenhados pelo conhecido interiorista Brasileiro, Marcio Kogan e produzidos pela fábrica. O Hotel São Lourenço do Barrocal tem também, os seus padrões exclusivos em almofadas.
A Herdade do Esporão por ocasião dos 25 anos do seu vinho Monte Velho, decidiu celebrar a cultura alentejana. O designer Eduardo Aires usou o padrão das mantas nos rótulos, mas amplificou o património visual das mantas na comunicação da marca e em muitos outros materiais do enoturismo. Isto para além dos maravilhosos, tapetes, puffs e almofadões que decoram o espaço da Herdade.
«As tecedeiras firmam a burra, uma trave na traseira do tear. A partir daqui, empurram a queixa e carregam nos pedais. A queixa é a peça onde se encaixa o pente. Serve para bater cada volta de fio na teia de encontro ao já tecido, de forma a manter o trabalho apertado. O pente, encaixado na queixa, é geralmente feito de cana. Por aqui passa a teia. A tecelagem é feita passando o fio pela teia com a lançadeira.»
Estes magníficos instrumentos tecem parte da nossa história rural, mas estão em vias de extinção.
Haja sensibilidade para as nossas marcas e ideias para que os teares do nosso Portugal Genial, não deixem de laborar.
Isabel Dias da Costa, Vice Presidente – Associação Portugal Genial
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