A fábrica

15 de fevereiro de 2013

A fábrica

José Carlos Campos, Director Criativo Executivo da Strat e Fundador da marca NATA Lisboa

Uma gota. Depois outra gota. E mais outra. Era um dia cinzento de Novembro. Cinzento no céu, cinzento na terra. Pelo menos naquela terra. Cardigan, perto das montanhas do País de Gales. Naquele dia as gotas tinham um sabor diferente. Eram amargas. Gotas de desespero que deslizavam pela face de mulheres adultas. Uma terra, Cardigan, perto das montanhas do País de Gales, acabava de saber que um em cada 10 dos seus estava desempregado.

Jean Day tinha 17 anos de casa. Agora não havia casa. Quando ela recebeu a notícia do fecho da fábrica percebeu que quando perdemos o emprego também ficamos desalojados de um lugar e de uma vida. Ficamos desalojados de gestos diários que nos fazem falta. Acordar quando não apetece. Sprintar para um pequeno-almoço engolido à pressa. Levar os miúdos, sempre aos berros, até à escola. O beijo matinal, aquele instantâneo, curto, rotineiro no marido que na noite anterior esteve até tarde no Pub a discutir os últimos resultados do Swansea Football Club ou se o trabalhista Tony Blair seria mesmo trabalhista. Um percurso que culminava com chegada à fábrica. Dar o “bom dia” à parceira de labuta. A sua extensão. A máquina de costurar jeans. Uma galoneira plana 2 agulhas com aparador frontal de tecido.

Nessa manhã de gotas amargas a sua máquina era desmontada e colocada num contentor. Doía. Muito. A máquina partia mas tinha um futuro. Ela não. A vida, a fábrica, a máquina partiam para Marrocos. Porquê Marrocos? Eles não sabiam fazer jeans como ela, como a Miriam, a Cadi ou a Morgana. Porquê Marrocos? Globalização, falavam. Deslocalização, falavam. Mão de obra mais barata, falavam. Falavam mas a vida de Jean Day não se resolvia com palavras. À porta da fábrica preparava-se para entrar um novo turno. As novas operárias. As que tecem o tempo. As aranhas. Foram elas que passaram a mandar naquele espaço durante 10 anos. Em silêncio.

Até que tudo mudou com o casal David e Claire Hieatt quando decidiram criar uma nova marca de jeans: Hiut Denim, jeans para o target masculino. Dois cortes (regular e slim fit) e costurado a partir de denims turcos e japoneses. David Hieatt, ex-criativo publicitário da Saatchi & Saatchi e que trabalhou em Londres com o mestre Paul Arden, queria apenas fazer um excelente par de jeans. Clássicos. Bem produzidos. Jeans que ficassem melhor com a idade.

Faltava escolher a fábrica. Quando todos aconselharam localizações na Ásia o casal Hieatt foi em contra-mão. Coragem? Também. Acima de tudo visão. Durante meses insistiram em produzir as suas jeans no Reino Unido. Eles sabiam que Cardigan tinha o “know-how”. Eles sabiam que Jean Day e as suas companheiras faziam as melhores jeans do mundo. Eles sabiam que elas estavam à sua espera. Eles sabiam que tinham essa responsabilidade social. O lucro era importante mas não era tudo. Conseguiram.

Em Setembro de 2012, a Hiut Denim lançou no mercado o seu primeiro lote de jeans com um preço inferior ao seu principal concorrente (Levi’s). O Reino Unido valorizou este acto – again made here. “Good save Mr.Hieatt” afirmaram os media, surpreendidos por este novo tipo de capitalismo. Nas lojas as jeans foram um sucesso de vendas e Cardigan, uma terra perto das montanhas do País de Gales, voltou a sorrir.

O mundo está a mudar. Acreditem. “As empresas têm que posicionar as necessidades sociais no centro da sua estratégia. Olhar os interesses de todos os seus stakeholders (comunidade, trabalhadores, consumidores), e não apenas dos acionistas”, dizia em 1956, Antony Crosland um trabalhista que muitos juravam vir a ser primeiro-ministro britânico. Infelizmente faleceu antes de chegar ao cargo.

O mundo está a mudar. Acreditem. Nos próximos anos a manufactura voltará para a casa. Motivos comportamentais, económicos e sociais levarão a que manufactura regresse de novo aos países que estiveram envolvidos na Revolução Industrial. Aos mercados desenvolvidos. Às mãos das Jean Day. Elas merecem. Elas merecem um novo capitalismo.

PS: Quatro em cada cinco consumidores norte- americanos (76%) prestam atenção na frase “Fabricado nos EUA” em avisos ou etiquetas e estão mais dispostos a comprar estes produto. (Fonte: Perception Research, Julho de 2012)

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Comentários (2)

  1. Fiquei sem perceber o que este artigo se enquadra com este site e o programa.
    Será que este senhor vai fazer publicidade para casa ou vai fazer em casa os pasteis de nata?
    Fiquei sem perceber o enquadramento do tema…

    Obrigado!

    por: António,
  2. Obrigado pela visão!
    Nesta aldeia global, todos temos a nossa quinta, e isso é o que tem mais valor e dá significado à, tal, aldeia.
    As marcas e a publicidade não podem passar ao lado desta evidência, deste regresso às origens.
    Parabéns pelo artigo!

    por: joao,

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