23 de julho de 2008

Entrevistas

 


Apesar da atracção que as marcas têm pelo mercado das crianças e dos jovens, este não é um mercado fácil. A garantia é dada por António Cardoso, coordenador do primeiro mestrado em Portugal de Marketing para Crianças e Jovens. O docente da Universidade Fernando Pessoa deixa o alerta: “É preciso trabalhar com elas e para elas, abandonando as velhas premissas de que como já fomos crianças e jovens conhecemos o seu mundo … teremos apenas receitas obsoletas”.


 


Imagens de Marca: Numa sociedade virada para o consumo, as crianças e os jovens são presas fáceis das grandes marcas?


António Cardoso: Não se pode considerar limiarmente que as crianças e os jovens sejam presas fáceis das empresas e, em particular, das grandes marcas.


As crianças, os adolescentes e os jovens, de uma forma geral, constituem um mercado em rápido crescimento e assumem, cada vez mais cedo, o papel de consumidores. Por isso, as empresas começam a analisar este segmento de mercado e a desenvolver estratégias de Marketing distintas, pois reconhecem o seu papel de consumidores, prescritores e de influenciadores nas compras familiares, bem como a sua condição de futuros consumidores.


A aproximação tradicional do Marketing de produtos para criança estava baseada no ponto de vista dos pais. Actualmente, os novos produtos precisam de ter a aprovação dos pais, mas serem projectados, desenvolvidos e testados em crianças e comercializados por pessoas que estejam atentas às suas necessidades. É prioritário que as empresas estudem e analisem os particulares do mercado das crianças, de modo a desenvolver um modelo efectivo de comunicação e de relacionamento. 


As crianças vivem numa cultura de consumismo. Elas têm uma palavra a dizer; elas sabem do que gostam, o que querem, e como concretizar os seus desejos (“Kids’ Power”). Estas crianças foram chamadas “Skippies” (“School kids with purchasing power” – as crianças em idade escolar com poder de compra) e “KAGOY” (“Kids are getting older young” – As crianças amadurecem cada vez mais cedo). 


As crianças são críticas e sensíveis às práticas de Marketing e de comunicação abusivas, intrusivas e enganadoras, desmontando e rejeitando facilmente produtos, marcas, suportes e mensagens que não correspondam às suas expectativas, que não utilizem a sua linguagem, que não representem as suas vivências e que não respeitem as preocupações dos pais (as crianças sabem que os progenitores avalizam as suas opções de compra).


 


IM: De que forma é que elas influenciam o consumo da economia familiar?


AC: Penso que só pelo facto de existirem crianças nos lares isso se reflecte, inequivocamente, no consumo familiar. É a partir do nascimento de uma criança (inclusive na fase de planeamento familiar e de gestação) que se desencadeia um novo ciclo de consumo que acompanha todo o processo de desenvolvimento e socialização enquanto pessoa, mas também enquanto consumidora.


O comportamento de compra e de consumo das crianças desenvolve-se ao longo da infância, fruto da conjugação de um conjunto de factores e influências sociais: a família (os pais, os irmãos, os estilos parentais, etc.), a escola (local de aprendizagem e de novas interacções sociais), os colegas (amigos, companheiros de escola, os grupos de pares), os meios de comunicação social (televisão, Internet, imprensa juvenil, clubes), os grupos de referência (ídolos e heróis do mundo desportivo, musical, televisivo e outros), a sua experiência directa no consumo (observação dos pais e das suas compras autónomas), assim como do meio social onde se integram (situação sócio-económica do mercado, infra-estruturas comercias próximas da residência, meio urbano/rural, etc).


Para as crianças, assumir o papel de consumidores é uma forma de se manifestarem e de se aproximarem do mundo dos adultos, como uma forma de representação e mimetismo.


 


IM: Quais são os produtos ou tipos de produtos em que as suas opiniões são mais ouvidas?


AC: Incentivadas pelos pais, as crianças interessam-se e conhecem uma grande variedade de produtos e marcas para si e para o lar. É possível afirmar-se que a sua influência se divide em duas categorias: os produtos e serviços que lhes são dirigidos e os produtos para o lar (família).



Relativamente aos produtos que lhes são directamente dirigidos, as crianças utilizam várias estratégias para verem os seus pedidos satisfeitos (as crianças gostam de contestar e de disputar porque gostam de competir e da possibilidade de vencer) como são o caso de brinquedos, uma grande variedade de produtos alimentares (cerais, bolachas, batatas fritas, sumos, chocolates) e vestuário (roupa desportiva e de marca).


Por outro lado, muitas das novas tecnologias (computador, consolas de vídeo, telemóvel 3G, DVD, Jogos de computador, LCD, ipod, servidores de internet, etc) são introduzidos no lar muito por força das crianças. Aliás, sobre estes produtos conseguem estar mais informados do que os próprios progenitores.


Estudos internacionais e nacionais evidenciam que as crianças influenciam também a escolha de outros produtos e serviços: o destino de férias, os electrodomésticos, o automóvel, restaurantes, e o estilo de vestir dos pais. Os pais incentivam e envolvem as crianças nestas decisões, procurando ouvir as suas opiniões.


Nas deslocações que fazem conjuntamente com os pais, fazem-nos gastar mais dinheiro que o previsto: são aquelas calças que agora se usam, são os ténis que “toda a gente tem”, é o CD que quer ouvir até decorar a letra, é aquela revista que o informa sobre os seus ídolos, etc…


 


IM: A relação que as marcas tentam estabelecer com este target é momentânea ou sustentada para o futuro?


AC: É desejável que as organizações, em particular aquelas de carácter empresarial, desenvolvam estratégias sustentadas e duradoiras com o segmento das crianças.



Assistimos ao desenvolvimento de estratégias concertadas e de longo prazo por parte de algumas organizações, que começam a trabalhar, desde muito cedo, este segmento, ainda que não sejam seus consumidores activos. É o caso dos promotores turísticos, das marcas automóveis e dos serviços financeiros (bancos e seguros).


Assim, é importante que os produtores e comerciantes comecem a cultivar relações satisfatórias (experiências positivas e agradáveis nas lojas) com os mais pequenos, para que quando atinjam a idade adulta seja mais fácil convertê-los em clientes. É preciso investir para criar clientes desde a infância, apesar da sua rentabilidade só se atingir mais tarde. Esta é, aliás, a principal razão para que muitas empresas e comerciantes lhe prestem pouca atenção, devido ao longo período de espera dos benefícios.



IM: Qual é a diferença de comunicar para crianças/jovens ou para adultos?


AC: As estratégias de comunicação dirigidas ao segmento das crianças e dos jovens, não sendo muito diferentes daquelas utilizadas no mercado dos adultos, obrigam a um conhecimento profundo do mercado que rapidamente se desactualiza (é que o crescimento e desenvolvimento das crianças não pára e difere muito de estádio para estádio).



Este é um mercado em constante evolução e regeneração, onde as estratégias utilizadas para um grupo etário (por exemplo dos 6/7 aos 11/12 anos de idade) não servem para outros grupos etários (12/13 aos 18/19 ou 18/19 aos 25 anos de idade).


Por outro lado, esta é uma geração do sensorial (do tocar, do experimentar, etc…,) que nasceu e cresceu no período da Internet, da globalização, do telecomando e do multimédia móvel, o que obriga a desenvolver novas estratégias de comunicação que contemplem este novo ambiente em que as crianças e os jovens vivem.


Deste modo, os meios de comunicação (e de publicidade), os suportes, os conteúdos e as mensagens devem privilegiar esta dimensão digital, o multimédia móvel e a interactividade – as crianças querem participar.


 


IM: Defende uma dimensão ética e deontológica mais desenvolvida para com esta target?


AC: Absolutamente. Não se trata apenas do facto de as crianças e os jovens constituírem os cidadãos e os consumidores do futuro, mas também porque a sociedade lhes reconheceu as suas particularidades enquanto seres humanos, que devem ser protegidos contra as práticas abusivas das organizações.


Numa perspectiva operacional de mercado, as crianças e os adolescentes não são compradores especializados, faltando-lhes a prática e o hábito. Neste sentido, ambos estão desamparados e desprotegidos nas situações de compra mais complexas, assim como são alvos “frágeis” face às pressões comerciais das empresas.



Durante a última década, houve um aumento exponencial dos esforços comerciais dirigidos às crianças. Actualmente, são vítimas da economia do consumo e do luxo; cresceram num período de prevalência das marcas, da tecnologia e da Internet. Enquadradas por uma cultura de protecção, as crianças são apresentadas como seres frágeis, desprotegidas e dependentes, permeáveis na sua auto-estima às pressões dos grupos de pares e de referência, assim como a outros referenciais.


 


IM: Que tipo de produtos consomem os jovens? E de que forma usam o seu dinheiro?


AC: Como seria normal nesta fase da vida, estudar e brincar são as actividades que ocupam a maior parte do tempo das crianças. Todavia, a visualização da televisão e, cada vez mais, a Internet fazem parte das rotinas diárias deste público. É de salientar que as crianças conseguem desenvolver muitas destas actividades em simultâneo: por exemplo, ver televisão e brincar ao mesmo tempo que ingerem algum alimento.



Em termos de canais de televisão preferem a TVI, muito por força da série Morangos com Açúcar”, e os canais cabo Disney e Panda. O telemóvel é um produto de socialização importante, sendo muito utilizado para o envio de MMS, SMS e vídeos.



As crianças têm uma grande familiaridade com o dinheiro e um forte sentido de poupança. Com o seu dinheiro de bolso (pocket money) as crianças satisfazem os seus desejos imediatos (por exemplo, em guloseimas), mas procuram aforrar parte do dinheiro que obtêm (mesadas, prendas dos familiares, compensações por pequenas actividades) para comprar no futuro algo de maior valor (telemóvel, jogo, bicicleta, …).


 


IM: Como reagem a diferentes géneros de publicidade? Prestam mais atenção à publicidade on-line e televisiva?


AC: De uma forma geral, as crianças gostam da publicidade que seja divertida, dinâmica, trabalhe a musicalidade, que recorra a personagens (heróis reais ou emblemáticos) e que inspire confiança e autenticidade. Acima de tudo prestam mais atenção quando têm interesse particular pela marca ou pela categoria de produto.


Não gostam de publicidade aborrecida, monótona e que suscite desconfiança (exagere e minta) – por vezes verificado através da experimentação do produto.


Apesar do crescimento da publicidade on-line a publicidade televisiva ainda continua a reunir as preferências dos mais novos. Todavia, no segmento dos adolescente e jovens, a publicidade on-line e interactiva, está a ganhar a preferência dos consumidores. É que uma boa parte do seu tempo é passado on-line.


Uma boa estratégia de comunicação será aquela que combine, de uma forma integrada, os meios tradicionais, os novos meios de comunicação (Internet, telemóvel) e a comunicação below-the-line (merchandising nos pontos de venda, promoções, clubes)


 


IM: Qual a razão deste mestrado?


AC: O Mestrado em Marketing para Crianças e Jovens acompanha o crescimento recente, na Europa, mas também no resto do mundo, de uma área do conhecimento designada por “Kids Marketing” e “Child and Teens Consumption”.


 



O curso procura promover a discussão e a investigação sobre o mercado e o consumo das crianças e jovens, assim como o estudo das estratégias da indústria sobre este segmento, dentro do contexto sociocultural, tecnológico, económico, competitivo e global em que nos situamos.



Urge, pois, formar profissionais com um profundo conhecimento dos comportamentos de consumo das crianças e jovens, capazes de desenvolver estratégias e produtos/serviços, eticamente responsáveis, que tenham, impacto a longo prazo nas decisões destes consumidores, contribuindo para a fidelização e lealdade dos consumidores fruto de relações satisfatórias com estas organizações.

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