Vídeo: Reportagem “As Mulheres e o Consumo”, emitida na SIC Notícias, a 10 de Outubro de 2009.
Há 153 anos, no dia 8 de Março de 1857, as operárias de uma fábrica têxtil de Nova Iorque entraram em greve e ocuparam as instalações da fábrica para reivindicar uma redução de horário. Estas operárias foram trancadas no edifício, onde deflagrou um incêndio. Morreram 130 mulheres. Há 100 anos, em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como “Dia Internacional da Mulher”.
O papel da mulher na sociedade mudou radicalmente nos últimos anos. A mulher arregaçou as mangas e saiu de casa; passou a cuidar de si própria, a ter mais atenção com a sua aparência e a sua alimentação, e a preocupar-se com algo mais além da casa, dos filhos e do marido. Ao mesmo tempo entrou no mercado de trabalho e ganhou independência financeira. Estas mudanças obrigaram a que áreas como a saúde, o apoio à criança e à família, a educação, entre outras, fossem alvo de um maior investimento por parte dos governos e das empresas.
Com este processo de emancipação da mulher toda a sociedade teve de se reajustar. As empresas e as marcas tiveram obrigatoriamente que reformular o tipo de comunicação e mensagens, de forma a responder adequadamente às necessidades de quem realmente toma as decisões. É que, nos dias de hoje, a maior parte das decisões de compras são tomadas pelas mulheres.
“Durante décadas a mulher foi bastante “maltratada” pelo marketing e, particularmente, pela publicidade. Utilizada fundamentalmente como símbolo (de desejo e de anjo do lar) a mulher viu-se reduzida a um papel perfeitamente estereotipado: acessório de beleza, mãe exemplar, esposa perfeita, dona de casa atenta à família e responsável pelas compras domésticas mas pouco preocupada consigo mesma e com os seus desejos que eram, frequentemente relegados para um segundo plano quando não ignorados”, afirma Carmo Leal, investigadora do FutureCast Lab (o laboratório de tendências de marketing do ISCTE) e docente no ISCTE.
Segundo um estudo da Boston Consulting Group, as mulheres terão no futuro próximo (pós recessão) um papel ainda mais predominante. No controlo das despesas com a casa, as mulheres assumem um papel cada vez mais preponderante em países como os Estados Unidos, a Austrália, a Alemanha, o Reino Unido e o Japão. Na Europa esta tendência não é muito diferente.
Segundo o referido estudo há alguns sectores do mercado onde a decisão de compra cabe definitivamente às mulheres: Itens para a casa (94%), Férias (92%), Imóveis (91%), Conta Bancária (89%), Saúde (80%), Carros (60%), Produtos Electrónicos (51%).
“Temos analisado uma tendência designada por “evolution” – a evolução das Evas – e chegado à conclusão de que os papéis do homem e da mulher na decisão de compra são hoje totalmente diferentes. Por força de alterações sociais e económicas, o homem é hoje o responsável por compras tradicionalmente destinadas à mulher, enquanto esta ganha espaço no mundo do trabalho e do prazer, relativizando (sem o abandonar) o peso do seu papel de zeladora doméstica. E esta situação tem grande impacto nos comportamentos de compra”, revela Carmo Leal.
Para a investigadora, “como segmento-alvo, a mulher tem um interesse inquestionável para o marketing: ela é a compradora e a decisora de muitos bens e serviços, alguns dos quais tradicionalmente pertencentes ao universo masculino, como automóveis e destinos de férias”.
Em Portugal, mais de 70% das compras de supermercados e de electrodomésticos, por exemplo, são feitas pelas mulheres. No entanto, o seu universo de consumo sai cada vez mais da esfera do lar: elas também compram 45% dos carros e 42% dos imóveis. Quem o afirma são os especialistas da agência de publicidade Leo Burnett, que lida no dia-a-dia com esta realidade e cuja carteira de clientes conta com empresas que foram apanhadas de surpresa ao constatar que as mulheres representavam uma percentagem muito mais significativa entre os seus consumidores do que poderiam supor.
Algumas marcas começaram já a comunicar directamente para o segmento feminino.
Jorge Veríssimo, Coordenador do Observatório da Publicidade, defende que “a estratégia foi a de olhar para a mulher actual e para a sociedade onde nos inserimos e passar a reproduzir os papéis que ela hoje assume”. E explica: “Se tradicionalmente a publicidade reproduzia, por um lado, a mulher no papel de esposa e mãe, no fundo os papéis de uma mulher socialmente anulada, quase segregada; e por outro, o papel de mulher-objecto, estereótipo caracterizado pela exploração económica do seu corpo, actualmente a publicidade recorre à mulher emancipada. Trata-se de uma visão da mulher moderna, que assumiu a sua profissão, a sua sensualidade e a sua feminilidade”.
De acordo com este especialista, “a publicidade actual apresenta uma mulher diferente. Uma mulher forte e, no entanto, feminina. Moderna e muito profissional. Sofisticada e sensual ao mesmo tempo”
Na opinião de Holly Buchanan, uma das autoras do livro sobre o marketing no feminino “The Soccer Mom Myth” (“O Mito da Mulheres de Classe Média”), dizer o que um produto pode fazer por elas em vez de se centrar nos seus aspectos técnicos pode ser uma das chaves para chegar ao público feminino.“Com a libertação da mulher do papel de fada do lar, as motivações hedonísticas passaram a estar presentes na comunicação dirigida à mulher. Contudo, ela continua globalmente a ser vista dentro de um universo pouco real: mulheres perfeitas, obcecadas com a beleza física e com o culto do corpo, que procuram produtos e actividades para ficarem mais atraentes. A mulher real continua por explorar no marketing; com excepção para algumas marcas que têm feito incursões por novas abordagens menos estereotipadas, muito está ainda por fazer para reposicionar a imagem da mulher no mundo do marketing e da publicidade”, revela Carmo Leal.
De acordo com um estudo recente da Universidade de Cambridge, que ainda está em fase de conclusão, as mulheres revelam maior simpatia e apetência por uma marca que decida usar modelos que de algum modo lhes transmita algo de comum e com o qual se possam identificar. Mas, quando as marcas recorrem a modelos altas, magras e elegantes são poucas as mulheres que se identificam com essas imagens. “Em geral, as pessoas têm uma reacção mais positiva com as marcas que usam modelos que representam as idades dos consumidores, o seu tamanho e o seu enquadramento”, revelou Ben Barry, responsável pelo estudo em questão.
As marcas vivas, aquelas que têm suficiente flexibilidade para perceber que a segmentação convencional já não serve na actualidade, apostam claramente em conhecer as características e as tendências dos novos mercados. Por outro lado, a esmagadora maioria das marcas continua a pensar que conhece muito bem os seus targets porque já está no mercado há muito tempo confiando, assim, no seu feeling”, conclui a investigadora portuguesa.
Em Portugal algumas marcas estão a celebrar o Dia Internacional da Mulher.
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