Uma história, uma iniciativa e uma historieta

10 de julho de 2017

Uma história, uma iniciativa e uma historieta

Uriel Oliveira, diretor de operações e negócio da Cision

A história é triste. Começa no fim de semana fatídico em que o fogo consumiu as matas de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, vitimando mortalmente 64 pessoas.
Imediatamente gerou-se uma corrente de solidariedade espontânea em torno das vítimas desta tragédia que não deixou ninguém indiferente – Sentimos um país unido em si próprio, que não se limitou a chorar as suas vítimas mas que também se prontificou a ajudar.

O concerto solidário que decorreu no Meo Arena, foi um dos principais momentos desta corrente solidária e foi provavelmente uma das iniciativas com maior visibilidade mediática nos últimos tempos em Portugal. Juntou praticamente toda a comunidade de músicos portugueses e foi transmitido em simultâneo pelos três canais nacionais de televisão.
Juntos por Todos, foi uma iniciativa no tempo certo, que para além de ter angariado mais de um milhão de euros, revelou um país excecional.

Apesar da imponência, do simbolismo e da dimensão emocional do momento, no dia seguinte nas redes sociais, não se falava das emoções vividas, das interpretações dos músicos, do montante angariado, da plateia, nem de nada que pudesse abrilhantar ainda mais esta história.
No dia seguinte falava-se de uma historieta com o vencedor da Eurovisão, Salvador Sobral, que inflamou a opinião pública, quando se lamentou do excesso de atenção do público, utilizando uma expressão metafórica, que continha a palavra “peido”.

Tempos a tempos a atualidade informativa nacional é invadida por historietas que viram assuntos de uma dimensão assinalável. São normalmente coscuvilhices, acontecimentos ridículos ou caricatos em que todos acham que têm que dar a sua opinião publicamente. Um moralismo absurdo contagiante que marca a atualidade nas redes sociais, nas conversas de café e em alguns media.

Uma chalaça linguística que o próprio Salvador Sobral, reconheceu como infeliz e se desculpou mais tarde, na altura aceite com o humor da plateia, mas que no rescaldo inflamou as hostes.

Nunca um “peido” tinha sido tão comentado, esmifrado, censurado, apoiado, promovido, denegrido, multiplicado ou dividido – as redes sociais, no dia seguinte às declarações de Salvador Sobral, registaram quase tantos comentários sobre o assunto, como após a sua vitória na Eurovisão! Os media para além de noticiarem o acontecimento, encheram-se de artigos de opinião sobre o assunto que por sua vez circulavam nas redes sociais como teasers para alcançar clicks e partilhas.
No estudo que fazemos regularmente para apurar o top Cision/Blitz, um ranking mediático dos músicos com maior exposição nos media, registámos milhares de referências ao assunto.

Apesar da iniciativa ter conseguido juntar os 3 canais de televisão em sinal aberto numa emissão em conjunto, num momento mediático assinalável, no dia seguinte não era sobre esta iniciativa que as pessoas falavam nas redes sociais.

O poder participativo que as pessoas ganharam através das redes sociais mais depressa se tem revelado na necessidade de dar opinião sobre temas de alguidar, do que sobre temas verdadeiramente fraturantes da sociedade portuguesa.
Existe claramente um fosso no foco, que separa o que tem que ser dito para valorizar a nossa memória conjunta, a democracia e o progresso, e o que as pessoas querem ouvir.

Lamentavelmente este fosso faz com que o jornalismo seja cada vez mais pobre e o sensacionalismo seja a atração fatal.

Perdemos todos.

Uriel Oliveira, diretor de operações e negócio da Cision

Avalie este artigo 1 estrela2 estrelas3 estrelas4 estrelas5 estrelas
2 votos
Loading ... Loading ...
Por Uriel Oliveira

Comentários (0)

Escreva o seu nome e email ou faça login com o Facebook para comentar.