30 de novembro de -0001

Opiniões que Marcam

* Director de Planeamento e Estratégia do Montepio


Tenho cada vez mais razões para acreditar que não há marcas sem pessoas com alma. E tenho três boas razões para acreditar que a marca Portugal é viável: a Farinha Branca de Neve assinalou os seus 55 anos e anunciou o lançamento de novos produtos em Alcains, a Bom Petisco criou os hamburguers de atum, que precisam apenas de dois minutos para estar prontos, e Portugal é, segundo as Nações Unidas, o país que melhor integra os imigrantes: «Em 2005, eram mais de 763 mil. No próximo ano, Portugal vai ter quase 920 mil imigrantes. Pelas contas da ONU, em 2005, 7,2 por cento da população em Portugal era imigrante». E alegra-me desfazer a dúvida da sabedoria do ditado «Portugal é Lisboa e o resto é paisagem». Se calhar, até é mas… e depois? E se a paisagem for boa e o seu conteúdo natural e humano de alta qualidade? Não venho falar das apetências turísticas das regiões portuguesas (tanto já se disse sobre o tema, e quase sempre de forma assertiva), mas testemunho experiências que reforçam a sapiência das origens seculares. Acredito genuinamente na qualidade dos nossos produtos e na afabilidade dos nossos serviços. Acredito também que a nossa genuinidade como povo atrai e inspira outros povos. Afinal, o que é Nacional…


 


António não descura o seu trabalho um milímetro. Invariavelmente, inicia o seu dia na madrugada profunda, ainda o seu bairro mergulha na fase REM* do sono. António é de outra geração: a que fez parte da guerra colonial, cuja efémera utilidade nada lhe trouxe, a não ser a humildade e o companheirismo do colectivo pois, a sobrevivência era posta em causa se não houvesse a cumplicidade entre todos e o espírito de inter-ajuda. Da vida, todos os sorrisos que obtém das faces dos seus interlocutores são «upsides», e considera uma dádiva divina a entrega ao seu trabalho diário. Não é por isso que António deixa de ser ambicioso. Tem objectivos muito claros de expansão do seu negócio, pois sabe que, se o fizer, terá a possibilidade de alargar as instalações do seu estabelecimento para melhor receber quem o visita, poderá ampliar a sua frota de furgonetas melhorando a sua capacidade de cobertura na entrega de pão e leite ao domicílio lá no bairro, ou mesmo aventurar-se na confecção de produtos que satisfaçam o gosto dos seus amigos.


 


Folga ao Domingo. Dia de descanso para uma dedicada jornada à família e aos amigos. Se contarmos com um Sábado à tarde dedicado a trabalho voluntário na Sociedade Filarmónica da terra, alegramo-nos por António ser um cidadão dedicado à família e às actividades cívicas. António é um homem tranquilo, afável e que facilmente mantém as amizades. Conhecido por todos, também conhece as preferências de cada um. Seria, para si, uma desconsideração se deixasse de saber exactamente o conteúdo das compras diárias de cada um dos seus conterrâneos. António não tem clientes, tem amigos, tem uma grande família (uma redundância que merece esclarecimento: no vocabulário de António, não existe a palavra “cliente”). E os membros das famílias ajudam-se mutuamente nos projectos e protegem-se nos momentos mais difíceis, fazendo uso da máxima «de ser uns para os outros».


 


O bairro fica a meia dúzia de quilómetros da cidade mais próxima, que tem cinemas, centros comerciais, passeio público, esplanadas, escolas, hospitais, e uma interessante actividade cultural. É desafiante comparar a qualidade de vida entre a Capital e cidades de menor dimensão. Aposto que a Capital perde muitos pontos em muitas frentes. Na frente humanista, a derrota é certa. Na realidade, não tem sido em vão que o poder local, quando bem gerido e aplicado, oferece melhores condições de vida às suas populações, prova de que a proximidade e a relação inter-pessoal são exigentes quando se trata de lutar pelo progresso da terra e dos que lá vivem. Afinal, todos conhecem os responsáveis da autarquia e o trabalho que desenvolvem.


 


O município tem boa cobertura de internet e de televisão por cabo. A população tem sofrido uma significativa redução ao longo das últimas décadas, mas recentemente, as estatísticas apontam para uma inversão da tendência. Imigrantes fixaram-se na terra. Já são três vezes migrantes: no seu país, fugiram para as cidades à procura do sustento, e daí mudaram-se para cá, sentindo a dureza da Capital que exerceu em si o efeito repulsivo. Agora, procuram nas comunidades mais pequenas a oportunidade que não tiveram e que vão encontrando nos que os acolhem, que compreendem os seus dramas e confirmam a sua veia de gente humilde e trabalhadora.


 


Um dia, Tatiana, uma moldava recém-naturalizada portuguesa, entrava pelo estabelecimento de António adentro. Não era mais uma freguesa a quem aviaria o primeiro «papo-seco». Também não era uma indesejada mulher vinda de «não-sei-onde» para nos roubar os empregos. Era uma honesta mãe de família, disposta a trabalhar no campo, conhecedora das artes da lavoura pela sua formação e experiência de vida, a quem António teria todo o gosto em servir três bolinhas de mistura e um litro de leite do dia. Em troca, Tatiana prometeu esmerar-se na compota de amora que, com a simpatia e crenças de António, se tornou numa incontornável referência «anti-oxidante», presente nas gôndolas Gourmet dos mais prestigiados hipermercados das grandes cidades.



 


*Rapid Eye Movement – fase do sono caracterizada por movimentos rápidos dos olhos. Esta é a fase do sono mais profundo. E quando uns estão a dormir… alguns estão bem acordados.

Avalie este artigo 1 estrela2 estrelas3 estrelas4 estrelas5 estrelasPor Pedro Alves*

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