Odeio publicidade

13 de Janeiro de 2014 em Opinião

Odeio publicidade

Como faço muitas vezes, introduzo esta minha opinião referindo que trabalho em publicidade há vinte cinco anos. São duas décadas e meia dedicadas a um sonho que, depois de todo este tempo, concluo nunca se ter materializado.

Vinte e cinco anos a estudar, a aprender, a aprimorar as minhas competências, a cometer erros que tardaram demasiado em servir de lição, porque finalmente percebi que tudo o que odeio na publicidade, que durante tanto tempo fui aguentando por acreditar que era uma pequena parte de uma actividade que tem tudo para ser uma experiência de vida incrível e compensadora, não é e nunca será, pelo menos no meu tempo cá na terra, a excepção. Será sempre a regra e a regra é abaixo de bicho.

A regra é encher sempre os mesmos media, e isto já inclui os novos e os ‘digitais’, com anúncios, no sentido literal da palavra, que levam com um processo de ‘embelezamento’ composto de uma camada de verniz estético e estilístico, que lhes dê a vaga possibilidade de parecer uma coisa profissional, um anúncio de publicidade. A regra é cada projecto ser uma guerra prestes a estoirar entre pessoas que era suposto serem aliadas e estarem a trabalhar para o mesmo propósito. A regra é toda a gente se levar demasiado a sério, ao ponto de tanta seriedade ser tudo menos uma coisa a sério. A regra é aceitar que quem nos paga para fazer o nosso trabalho, sabe fazê-lo melhor que nós, porque no final do dia, eles é que nos pagam os ‘overheads’, porque os salários já nem por isso. A regra é fazer dumping para ganhar concursos que acabam por não pagar sequer o passe aos estagiários. A regra é recrutar estagiários para fazer o trabalho que devia ser feito por seniores, porque de outra forma não dá para ser ‘competitivo’. A regra é pessoas que sempre se revelaram de uma mediocridade intelectual espampanante, subirem nas lideranças das agências, às vezes até aos mais altos patamares mundiais da indústria, apenas porque tem uma veia comercial que supera tudo, até a pilha de carcaças de pessoas e ideias que usaram como degraus. A regra é matar as pessoas a trabalhar para cumprir urgências misteriosas e depois esperar, mortos, por respostas que tardam meses, anos, ou nunca chegam. A regra é essas respostas serem negativas. A regra é quando são positivas, passarem invariavelmente por ter de fazer tudo outra vez. A regra é dar facadas nas costas dos mais vulneráveis, sempre que possível, para se sair bem no perfil do Linkedin. A regra é depender de investimentos de pessoas que não percebem nada disto e vão sempre tratar este negócio como uma coisa industrial, uma coisa de retalho, uma coisa financeira, em vez de um negócio que tem obrigatoriamente de ser humano, social e humanista. A regra é parecer moderno e actual, mas vestir os mesmos dogmas de sempre, com umas calças de ganga afuniladas e umas t-shirts giras. A regra é cada um por si e nunca, mas nunca, tentar o associativismo para garantir alguma dignidade, porque ‘há sempre uma agência disposta a quebrar o protocolo’. A regra é todas as agências tentarem ser iguais e todas parecerem profissionais aos olhos de um mercado profundamente inculto e até primitivo. A regra é toda a gente saber mais que o próximo, mesmo que nunca tenha feito nada que o legitime. A regra é complicar muito tudo para parecer que somos todos muito bons e muito importantes nos processos. A regra é estupidificar e manter as massas incultas, bimbas, iletradas, passivas, mas a consumir, porque estas massas não são pessoas como eu e você, são manadas de consumidores que reagem positivamente aos estímulos básicos que esta indústria teima em produzir, a um nível que pessoalmente considero poluição. A regra é fazer tudo para que o interesse, a genuinidade e a dedicação sejam directamente proporcionais à insatisfação, tristeza, frustração e até depressão. A regra é parecer que não há regras, mas haver demasiadas e serem quase todas más.

O que gosto não é disto e isto é como se trabalha em publicidade, por isso não sou publicitário. Aliás, odeio publicidade, o que amo, sempre amei e hei-de continuar a amar, são boas ideias para melhorar o mundo e a vida das pessoas.

Algumas delas às vezes são boa publicidade, mas isso não é regra, é a excepção que a confirma.

João Geada
Pessoa que na realidade nunca foi publicitária

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