O Marketing passou dos limites?

14 de março de 2016

O Marketing passou dos limites?

Miguel Caeiro, fundador The Street Brasil

O domínio habilidoso das ferramentas de Big Data permite às empresas interagir com os seus clientes de formas cada vez mais intrusivas. Qual o limite? Que regulação? Que regras? Ou confiamos apenas no bom senso?

Como Marketeer Profissional assumido e orgulhoso desde 1991, é com muita apreensão que assisto a uma degradação da qualidade geral das campanhas e alguma anarquia das regras de comunicar e interagir com os diferentes públicos.

Nas décadas anteriores conseguíamos dirigir as campanhas de forma muito genérica com definições de grupos alvo que convenciam poucos e que se baseavam apenas em critérios sociodemográficos. Investi inúmeras campanhas na então denominadas “Donas de Casa A/B/C1”. Éramos escrutinados por órgãos reguladores que agiam em tempo útil e com regras consolidadas durante décadas e com legislação a acompanhar.

Surgiram depois as grandes alterações, primeiro na indústria de Tabaco, depois nos Farmacêuticos e mais tarde nos produtos para crianças.

Existia dentro das organizações, quer do lado do cliente, quer do lado das agências, uma hierarquia baseada na senioridade e experiência, que filtrava, ponderava e qualificava as estratégias de comunicação, e que servia simultaneamente de escola para os diversos profissionais que por aí cruzavam.

Na essência, as campanhas visavam acima de tudo a obtenção de resultados, fossem eles de quota de mercado, posicionamento ou notoriedade, e a sua qualidade media-se pelo grau de atingimento dos mesmos.

Existia, no entanto, um respeito enorme pela privacidade dos clientes.

Com a chegada de rompante das ferramentas digitais, mobile e do domínio da informação (Big Data), desacompanhadas em muitas situações de regulação e legislação compatíveis (que vem a reboque dos acontecimentos), damos por nós a ser permanentemente “invadidos” por campanhas e mensagens comerciais em situações, momentos e horários completamente desadequados, e com inúmera entidades que desconhecemos a terem pleno conhecimento de dados que julgávamos confidenciais, nomeadamente onde nos encontramos, com quem, a fazer o quê, etc…

A comunicação passou a ser dirigida a mim, a você, à minha prima, à minha mãe….

E passaram a saber que estou na praia, ou no cinema, ou no restaurante ABC, ou que estou com o João e a Isabel no concerto da Banda FGH. E sabem também que compro ténis de caminhar, as revistas B D e E e que assino o Netflix.

E o pior é que muitas vezes fomos nós que autorizamos essa invasão ao “aceitarmos” termos e condições de inúmeros sites, aplicativos ou newsletters sem que nos apercebêssemos desse gesto armadilhados por tácticas de “opt-in” camufladas e de perfeita guerrilha.

Já sem contar com as redes sociais em que de forma algo ingénua acabamos por partilhar bastante mais informação sobre a nossa vida do que a prudência recomendaria, o que aliado a ferramentas de pesquisa inteligente nos torna alvos fáceis.

Quem não foi já surpreendido com anúncios na sua página de facebook sobre uma nova televisão, quando, por mera “coincidência” tinha efectuada uma pesquisa de televisores num site de comparação de preços um par de horas antes?

Quem nunca foi incomodado por telefonemas em horas impróprias por pessoas muito mal preparadas que nos tentam vender aquilo que nem oferecido gostaríamos de ter? Pior quando esses telefonemas já chegam nos seus filhos a quem nós cedemos a dar um telefone portátil. Pior quando pelo telefone ou pela televisão (ou num combinado dos dois) armadilham idosos desacompanhados que de forma ingénua e inconsciente acabam comprando, participando em jogos ou apostas de forma completamente enganosa. Pior quando debitam nosso cartão de crédito sem expressa autorização. Pior quando nos “oferecem” algo que por certo pagaremos quando esquecermos de cancelar no fim do período experimental. Pior quando ficamos refém de “falar” com call-centers robotizados em que somos obrigados a repetir a nossa história umas 7 vezes, em que a ligação cai pelo menos 4 e em que em mais de metade das situações desistimos a meio. Pior quando só apelando aos órgãos de defesa do consumidor vemos as nossas pretensões finalmente atendidas.

A massificação de ferramentas que permitem este tipo de abordagens levou a que o controlo e decisão sobre as regras e conteúdos das campanhas tenha saído em muitos casos da alçada de profissionais qualificados e experientes para responsáveis de marketing de primeira água e para publicitários imberbes sem a escola necessária para saber os fins não justificam os meios.

Continuo a acreditar no Marketing. Continuo a acreditar nos bons profissionais de Marketing. Continuo a acreditar nas boas agências de comunicação. Continuo a acreditar na força e na magia das marcas. Continuo a acreditar na sedução dos consumidores.

Hoje, o consumidor, municiado de um poder de contestação e interação nunca antes conhecido, alavancado pelos blogues, pela força das redes sociais, tem a capacidade de nos impor limites, de rejeitar marcas e produtos, e de ser viral nas suas reações.

O tempo ditará e fará o devido escrutínio dos bons profissionais, das boas empresas, das boas marcas, das boas agências, em suma do Marketing de Excelência.

“If you make customers unhappy in the physical world, they might each tell 6 friends. If you make customers unhappy on the Internet, they can each tell 6,000 friends.” – Jeff Bezos”

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Comentários (1)

  1. Artigo interessante que foca um ponto de vista muito interessante… Contudo, seria relevante analisar os prós e contras da era digital.
    No meu ponto de vista a alteração mais profunda prende-se com os padrões de consumo de informação. Há uns anos atrás, a comunicação era feita em largo espectro e muito pouco dirigida, de forma expansiva… O Marketing Digital, trouxe novas possibilidades, inclusivé a possibilidade das marcas dialogarem com a suas audiências, em vez do tradicional, monólogo.
    Em paralelo, permitiu que as PME’s conseguissem alcançar os seus potenciais clientes com investimentos muito reduzidos o que obriga naturalmente a uma enorme adaptação por parte dos players mais tradicionais.
    O Polícia Sinaleiro foi substituído pelo semáforo, mas isso não significa que a necessidade de regular o trânsito tenha desaparecido…

    por: Helder Pinto,

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