Guardiões da memória

29 de fevereiro de 2016

Guardiões da memória

Ana Rita Ramos, Diretora Geral Have a Nice Day

Sem memória não existimos. Sem responsabilidade cultural não merecíamos existir. Por isso é tão importante as empresas construírem e preservarem a sua memória coletiva.

Longe vão os tempos em que, no final do século XIX, as ruas de Lisboa eram iluminadas por candeeiros a gás de pé alto e de chama amarelada, conhecidos como Lisbonenses, em alusão à empresa de gás que fornecia a cidade (Companhia de Gaz Lisbonense). De certa forma a história da EDP – primeira empresa a integrar o projeto I’M a Brand, emissão especial do Imagens de Marca, com edição de um livro com as histórias que não cabem no formato televisivo – remonta a esses tempos, embora como marca comemore “apenas” 40 anos em 2016. Quantos portugueses conhecem a história da maior empresa do país? Quantas histórias, avanços e recuos, êxitos tremendos, celebrações e desaires tem a EDP para contar? Infindáveis. Mas poucos as conhecem. O que me levanta duas questões: quem constrói a memória coletiva, em que as empresas têm um papel importantíssimo? Quem defende a memória perdida?

Longe vai o tempo em que a memória e o conhecimento estavam restringidos às bibliotecas ou às universidades e viviam da comunicação oral que a todos fazia chegar relatos de acontecimentos maiores, como guerras, pestes ou sismos. O aparecimento de jornais como o O Século ou o Diário de Notícias, no final do século XIX, e da televisão, já em pleno século XX, alteraram de forma profunda o processo de construção da memória, não só do país mas das empresas. E fico genuinamente feliz por perceber que hoje são muitas as pessoas, associações e organizações em Portugal que trabalham para preservar a memória. Começa a haver uma consciência cívica mais vigilante que luta contra a indiferença e a insensibilidade dominantes.

Assim de forma abreviada, sinto o seguinte: enaltece-se o “novo” com prejuízo do “antigo” sem se perceber que há poesia nas raízes, que as histórias do passado ajudam a compreender o presente e a desafiar o futuro. Um lobo que uiva no topo de uma montanha representa mais do que o património genético que carrega. Ele evoca a lembrança de uma paisagem selvagem, da vida difícil dos pastores na serra, dos cães que protegiam os rebanhos… E a esperança de um futuro de respeito e equilíbrio com a natureza.

Para cada fragmento de memória há, felizmente, pessoas dedicadas a preservá-la. Os lobos não sobreviveriam sem a compreensão dos habitantes que com eles partilham a terra, sem os biólogos, ou sem os guardas da natureza. As obras de arte, o mobiliário ou os livros não resistiriam ao passar do tempo sem o carinho dos proprietários, o zelo de quem trabalha nos museus e bibliotecas, ou sem os cuidados terapêuticos dos técnicos de restauro. E a história das empresas não resistiria sem os seus responsáveis que lutam por resgatá-la e partilhá-la com os vários stakeholders

As memórias das empresas não existem isoladas. Contribuem para um todo que define a sua identidade. Porque não podemos saber quem somos se não soubermos de onde vimos. Com o projeto do I’M a Brand, e com o trabalho que temos feito na Have a Nice Day, conseguimos o que algumas pessoas chamam de “alfabetização da memória”. Ficamos extremamente gratos com a possibilidade de recolher memórias dos colaboradores das empresas, histórias quase esquecidas, que ajudam a compreender a organização no presente. A cultura empresarial corre o risco de enfraquecer se não tivermos formas de nos conectar às origens.

O que as empresas devem fazer é contar a sua história de forma a que ela se torne apelativa às gerações atuais. A identidade de uma organização alicerça-se em partilhas –da estratégia, dos objetivos e da história da empresa. Quando não se valorizam as memórias e as histórias dos colaboradores, as pessoas tornam-se mais individualistas, desconectadas e perdidas. Ao conhecer melhor e amar a ‘árvore do património’, cada colaborador poderá lutar, ainda mais convictamente, pela herança do passado, destinada às gerações do futuro.

Isto não é saudosismo. Isto é querer olhar em frente.

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