ARARAT

6 de Maio de 2014 em Opinião

ARARAT

O júri estava reunido, todos sentados à volta da mesa quadrada, o projector já ligado e na tela uma imagem genérica do festival com a categoria em destaque: Graphics and Communication Design. Eram dez da manhã, feel like oito para mim, recém chegado ao horário local. Confuso, portanto, mas isso não é novidade.

Como é da praxe, antes de iniciar os trabalhos apresentámos-nos todos uns aos outros, e como é costume eu baralho os nomes todos, mas não é da minha senilidade que quero falar. Começo eu, depois o Pablo, Aleksandr, Dmitry, Katya, Alexey e Garegin da Arménia. E como é que eu me lembro tão bem que o Garegin é arménio? Porque assim que ele se apresenta, saca de uma garrafa de Ararat, um brandy nada brando trazido da sua terra natal, para comemorarmos o inicio dos trabalhos. “It’s the armenian way!” Foi um quebrar de gelo instantâneo e literal, o meu estômago que o diga. O facto é que para ele aquilo era natural, tão natural que ao fim da manhã a garrafa estava vazia. E eu juro que só bebi o primeiro brinde.

A atitude do Garegin foi autêntica e acabou por protagonizar um momento de place branding. Ali naquela mesa a Arménia esteve bem representada. E eu nem um mísero pastel de nata tinha para oferecer aos colegas.

Entretanto a questão das diferenças estava implícita na tarefa para a qual fomos convidados a colaborar. No decorrer do dia eu e o catalão Pablo Juncadella, os únicos latinos entre os eslavos, fomos várias vezes impactados pelos aspectos culturais vincados nas muitas peças que avaliámos durante as quase dez horas em que estivemos naquela sala. A tipografia cirílica, as ornamentações, as cores e principalmente o raciocínio por detrás das soluções eram-nos estranhos, ou no mínimo peculiares. Houve esclarecimentos, houve debate, trocas de ideias e no fim, guardadas todas as diferenças culturais, saímos todos confortáveis com a premiação.

No fim do festival venceram o Grand Prix dois trabalhos completamente distintos, em escala e intenção. Um deles é uma solução universal, genial no seu propósito de ajudar aqueles que têm de se medicar periodicamente, combinando o design de equipamento com o de uma aplicação  cujo interface é tão minimalista e quanto intuitivo. (http://vimeo.com/91727779 [1] )

O outro é um trabalho que resulta de uma produção invejável, um belíssimo trabalho de direcção de arte (do português Vasco Vicente) que transpira os valores e a iconografia soviética numa linguagem super actual. (http://youtu.be/RzRm9–UmPw [2])

Na conferência de imprensa levantou-se a questão de os trabalhos serem passíveis de apresentação pessoal uma vez que com a internacionalidade dos júris possam eventualmente ficar perdidos os argumentos que levariam à premiação. Intervi dizendo que independentemente da sua origem um trabalho é tanto melhor quanto menos explicações lhe tivermos de dar. Há coisas que funcionam bem em qualquer língua, tal como um bom cálice de Ararat pela manhã.

P.S.: Outros trabalhos em http://en.adfest.by/enrties [3]

URL do artigo: http://imagensdemarca.sapo.pt/entrevistas-e-opiniao/opiniao-1/ararat/
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