A estrela Polar do Marketing

22 de Dezembro de 2017 em Opinião,Opinião

A estrela Polar do Marketing

Há quem associe o sucesso no mercado a campanhas publicitárias agressivas. Mais genericamente pode-se dizer que é fruto de uma coerente política de marketing mix ao nível do produto, da comunicação, da distribuição, do preço… E, ainda de uma forma mais lata, é possível afirmar que o sucesso decorre da eficácia da estratégia de branding e de posicionamento da marca.

Tudo isto é verdade mas, do meu ponto de vista, na essência depende da maneira como cada empresa vê o seu negócio. É que nem sempre as coisas são o que parecem. Veja-se o caso da Kodak, grande referência na área da fotografia. Com o surgimento das máquinas digitais preferiu não entrar nesse negócio com receio de canibalizar os seus produtos tradicionais. Infelizmente para a Kodak, hoje sabemos como tudo terminou. E a razão é simples: o gigante da fotografia pensava que operava no negócio do material fotográfico – e, em particular, das películas e filmes – quando na realidade aquilo que vendia era uma solução para guardar memórias. Desde o momento em que surgiu uma nova solução, mais barata e flexível, a “sua” solução estava condenada.

Vejamos agora três exemplos de marcas que percecionaram corretamente e de forma visionária o negócio. Comecemos pela Swatch, empresa que surge na sequência de um outro avanço tecnológico que colocou à beira da falência a indústria relojoeira suíça. Com o aparecimento dos relógios digitais, com uma fiabilidade assegurada pela constância dos impulsos elétricos gerados por um cristal de quartzo e ainda por cima baratos, essa indústria perdeu aquela que, sendo a sua grande vantagem competitiva, diferenciava a qualidade dos relógios: a precisão. É neste contexto que surgiu a Swatch, presidida por Nicolas Hayek, que acabou por revolucionar todo o setor. Por uma razão: um Swatch é muito mais do que um “simples” relógio. É, isso sim, uma pulseira que indica as horas, o que significa que o verdadeiro negócio da Swatch não é o da relojoaria mas o da moda.

Vamos agora a um caso português. A Renova, sob a liderança de Paulo Pereira da Silva, fez algo idêntico mas de uma forma ainda mais direta pois a sua estratégia não decorreu de nenhum avanço tecnológico disruptivo mas do design. Com a introdução do papel higiénico preto (e posteriormente com todas as cores vivas que fazem parte do seu portfolio) conseguiu uma valorização enorme do produto. Porquê? Porque deixou de se concentrar em artigos de higiene e passou a oferecer algo que tem muito mais a ver com o negócio da decoração – a roçar até a arte, como o prova a presença nas casas de banho de luxo do Museu do Louvre. As contas, aliás, são fáceis de fazer. Sabendo-se que um rolo de papel preto da Renova é vendido a um preço cerca de três vezes superior ao de um “simples” branco da mesma marca, pode-se afirmar que o seu valor se decompõe em duas parcelas: ⅓ é para a função higiénica e ⅔ correspondem à função decorativa.

Para terminar vejamos o caso da Apple e do seu iPhone. Até 2010 a Nokia foi líder no mercado dos telemóveis, decorrendo as suas vantagens competitivas da qualidade tangível do produto e, em especial, do caráter friendly do software. Até que a Apple lançou o iPhone com o sistema operativo iOS e com tecnologia touchscreen. De novo assistiu-se à entrada num novo negócio pois um iPhone não é um “simples” telemóvel. Pode-se dizer que é uma espécie de canivete suíço do séc. XXI; pode-se dizer que é a/o nossa/o “melhor amiga/o” que sabe coisas a nosso respeito que mais ninguém sabe; pode-se até dizer que é um “pequeno ditador” que nos regula, controla e comanda a vida – mas, definitivamente, não podemos dizer que é um mero telemóvel. Foi isso que a Nokia não percebeu: que um equipamento touchscreen com um software como o iOS transformou um telemóvel em algo com uma componente emocional e afetiva que vai muito para além dos atributos funcionais que caracterizavam os tradicionais equipamentos móveis.

Em suma, o sucesso de uma marca começa pela maneira como se perceciona o negócio. Essa é a “estrela polar” do marketing – se nos enganamos na estrela, vamos ter de realizar esforços adicionais e gastar mais recursos para corrigir a trajetória. Só que no mundo dos negócios, ao contrário do que acontece na esfera celeste, a “estrela polar” vai mudando de posição relativa. E àqueles que, como Nicolas Hayek, Paulo Pereira da Silva e Steve Jobs, antecipam a nova posição muito antes dos outros chamamos visionários.

Carlos Melo Brito Pró-Reitor da Universidade do Porto

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