3 de abril de 2008

Reportagem

Foi no final dos anos 40 que a Fábrica de Santo António tomou novo rumo pelas mãos do neto do fundador. António Manuel Corrêa da Silva deu novo fôlego ao negócio depois da morte de seu pai, anterior administrador, também por herança. Mas vamos por partes….


 


O fundador chamava-se Francisco Roque Gomes da Silva. Foi ele quem criou o negócio para produzir bolachas portuguesas, uma vez que na altura só havia biscoitos ingleses na ilha da Madeira. Quando faleceu, as bolachas de Santo António ficaram nas mãos de Américo Ciriaco Silva. Único herdeiro. Chegado o seu tempo, passou o mesmo negócio para o seu filho, António, o homem com visão na família e de que já lhe falámos no início do texto. Mais uma geração, mais um herdeiro, desta vez uma senhora, a sobrinha, Christiane Bettencourt Sardinha. É ela a actual proprietária e única herdeira do negócio mais tradicional da Madeira e talvez até de Portugal.


 


Descrevem-se os nomes e as relações parentais porque parece estar aqui o segredo de sucesso de tanta longevidade. Jorge Sardinha, gerente da fábrica e marido de Christiane, tem resposta rápida para a questão sobre a receita do sucesso: “Sempre foram herdeiros únicos e interessados pelo negócio”. Nunca houve problemas com partilhas”, afirma peremptório.


 


O homem que hoje está à frente da fábrica tem a paixão estampada no rosto. “É aqui que eu vivo. É disto que eu que gosto. É pequenino mas chega-me bem”, diz com simplicidade quando entramos no seu escritório, porta ao lado da loja da fábrica em pleno centro do Funchal. Lá arruma tudo, com organização. As pequenas gavetas guardam memórias e papelada actual. Foi a uma delas que foi buscar os recortes de imprensa sobre a fábrica, escritos nas mais variadas línguas. “A fábrica tem saído nas revistas do mundo inteiro. Entram por aqui, uns querem entrevistas, outros pedem só para tirar umas fotografias e depois lá publicam, de vez em quando, uns trabalhos sobre nós”, diz com a simplicidade e genuinidade que caracteriza o local, as gentes que lá trabalham e a própria marca. E acrescenta com orgulho: “Todos os que aqui vêm gostam de nós…” Percebe-se porquê. A Fábrica de Santo António mantém toda a tradição de um negócio familiar que conta com 115 anos de história. A casa que acolhe a Fábrica é original e por lá ainda se podem ver muitos sinais de outros tempos, das máquinas às paredes que continuam a mostrar orgulhosamente as suas pedras originais. Tão próprias da ilha aliás. Uma das máquinas foi 'Máquina“invenção” de António Corrêa da Silva, a outra, que ainda hoje produz bolachas, tem mais de 100 anos. “Vamos receber agora umas máquinas novas mas estas não vamos deitar fora, hei-de arranjar algum lugar para elas”, diz. A alma está estampada nos produtos, nas embalagens, no grafismo das letras e acima de tudo nas pessoas que lá trabalham.


 


Publicidade só fez uma vez, quando a TVI esteve na Madeira a gravar uma série em 1996/1997 e lhes lançou o desafio de fazer comunicação na estação de Queluz. Acharam graça à ideia e avançaram. O negócio é pequeno e talvez isso faça com que a marca não aposte no meio de massas.  As massas aqui são somente as que vão ao forno para produzir as bolachinhas tipo Maria, as de gengibre e as dietéticas (veja aqui O Peso das Iguarias de Santo António).


                                                                                                                                                                                  


  


Burocracia faz perder apetite


 


Este é, na opinião de Jorge Sardinha, o principal problema do negócio: “a burocracia da alfândega é muito grande e é ela que nos impede de crescer.” Ainda assim sabe que a exportação é a única forma de manter o negócio vivo no futuro e por isso está a preparar caminho para entrar nos mercados espanhol, francês e inglês. O gigante Harrod´s quer vender alguns dos seus produtos e a Fábrica de Santo António aguarda apenas os resultados das análises laboratoriais aos produtos para entrar em terras de sua majestade pela porta grande.


No continente os produtos da Fábrica de Santo António apenas estão disponíveis em cerca de 30 pontos de venda, como o Corte Inglês de Lisboa e Porto, o Grupo Sá e alguns outros que vendem apenas produtos de qualidade. O Jumbo, que se prepara para abrir uma rede de lojas Gourmet, também poderá ter produtos da marca funchalense.


 


O futuro passa pela qualidade sem perder a tradição. “Portugal não pode apostar na quantidade. Não podemos concorrer com marcas internacionais que têm máquinas a trabalhar 24H/dia. Temos sim de apostar na qualidade. É aqui que a Madeira pode fazer a diferença. Eu não me importo de não vender muito, quero é vender qualidade. É essa a minha aposta”, afirma.


 


Quanto à mão que irá trabalhar a massa no futuro ainda existem dúvidas. Jorge Sardinha olha para Bruno Vieira, actual director de produção e higiene como uma possibilidade. “Os meus filhos estão nos Estados Unidos, não sei se voltarão e se se interessarão pelo negócio…mas nunca se sabe, eu também lá estava e voltei e agora isto é a minha vida”, desabafa. “Mas o Bruno tem a alma da Fábrica….”, sorri como quem fica descansado na entrega da pasta. Uma pasta que o ano passado facturou meio milhão de euros e que poderá, pela primeira vez na história, deixar as mãos da família.


   



 



Doces, bolachas de gengibre (produção exclusiva em Portugal), bolachas dietéticas e rebuçados de funcho são os produtos que levarão o nome da Fábrica de Santo António para os mercados externos


 


 



A imagem ajuda a vender o produto. Dá a esta marca o carácter tradicional que tem no seu ADN



 


 



 


“Quando tínhamos a companhia nacional de navegação eram as bolachas de Santo António que abasteciam os navios da linha de África. Os consumidores de mais idade ainda se lembram e reconhecem, quando entram na fábrica, as bolachinhas dos tempos em que andavam nos navios”, aponta Jorge Sardinha a título de curiosidade.

Avalie este artigo 1 estrela2 estrelas3 estrelas4 estrelas5 estrelasÉ uma das fábricas mais antigas do país a produzir bolachas artesanais. Talvez a única da “velha guarda”. A fábrica de Santo António nasceu em 1893 e ainda hoje usa máquinas do século passado. A receita do sucesso? Simples: teve sempre um único herdeiro.

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