Entrevista ao Embaixador de Portugal na Tailândia

23 de novembro de 2016

Entrevista ao Embaixador de Portugal na Tailândia

Na semana em que o Imagens de Marca estreia uma emissão especial totalmente realizada na Tailândia, falamos com o Embaixador de Portugal na Tailândia, Francisco Vaz Patto.

A entrevista que recupera uma história com mais de 500 anos entre os dois países e que olha para os atuais desafios da Marca Tailândia.

Hoje o que aproxima e afasta estas duas geografias distantes, mas com laços históricos que perduram?

Ao fim de um ano na Tailândia uma das primeiras coisas que ainda me surpreende é imaginar como os nossos antepassados aqui chegaram e aqui se instalaram deixando uma marca ainda tão sentida. Uma marca que nos aproxima, apesar da distância geográfica.  A história comum, de comércio e amizade, que deixou marcas culturais e religiosas, desde os célebres doces de ovos ao próprio catolicismo, ainda hoje presente principalmente nas zonas e bairros onde os portugueses se instalaram ao longo desta histórica relação. Neste momento infelizmente as nossas relações comerciais que no passado nos aproximaram, estão reduzidas a um pequeno valor o qual tem, contudo, muito espaço para crescer. Se o turismo (nos dois sentidos) tem vindo a aumentar, e as trocas comercias também, a distância, contudo não ajuda. Este é um mercado relativamente ao qual empresários e investidores portugueses se afastaram, talvez por ser longínquo, talvez por não ser fácil de penetrar, mas essencialmente pela concorrência de outros mercados que a globalização tornou mais rápida e facilmente acessíveis aos portugueses. Felizmente alguns dos nossos compatriotas acreditaram nele e têm procurado aqui fazer negócios. E se analisarmos devidamente as suas características rapidamente nos apercebemos da sua localização central no sudeste asiático e na nova Comunidade Económica ASEAN, com as condições ideais para ser usado como um hub de acesso a estes mercados todos, os quais continuam a crescer a uma taxa anual média de quase 7%. Mesmo que a Tailândia, devido à situação política que vive, não esteja a crescer tão rapidamente, os seus mais de 3% crescimento rivalizam claramente com as taxas de crescimento inferiores nos mercados europeus e outros. Por isso reconheço que algo que nos afasta também é neste momento o desconhecimento pelos nossos empresários deste mercado/s.

Que Marca Nação é hoje a Tailândia e o que a diferencia e torna competitiva no mercado global?

Uma das coisas que aproxima Portugal da Tailândia e que poderia ser mais explorada é aquilo que considero ser a Marca Nação Tailândia hoje: o seu Turismo. Esta marca foi sendo desenvolvida ao longo dos anos e, apesar da crise e da situação política pós golpe de estado de 2014, continua em acentuado crescimento, com mais de 30 Milhões de turistas apenas no ano passado. Por essa razão a SIC Notícias também visitou recentemente este país, a convite da própria Autoridade Tailandesa de Turismo. E se é verdade que o número de turistas de ambos os países tem crescido nos dois sentidos, e os investimentos nesta área igualmente, ainda há muito terreno a explorar, bem como experiências a partilhar, o que será seguramente benéfico para Portugal e para a Tailândia.

Os maiores atributos e que a tornam competitiva no mercado global são seguramente a sua diversidade e qualidade, para além da tradicional simpatia e acessibilidade em termos financeiros e de transportes. Mesmo apesar do desenvolvimento de outros destinos diretamente competidores, a Tailândia continua a manter um lugar cimeiro nesta área, procurando sempre inovar e crescer (assim Banguecoque conseguiu recentemente ser considerada a cidade mais visitada no mundo inteiro).

Não podemos, contudo, esquecer que o Governo Tailandês tenta desenvolver outras imagens de marca deste país, que ainda não podem ser consideradas Marca Nação, mas que possivelmente poderão lá chegar em breve. E falo concretamente numa marca que Portugal tenta igualmente desenvolver, a das novas tecnologias e inovação e a da economia digital. Este é também um dos pontos que nos poderá aproximar mais no futuro.

O contexto económico global tem sido pautado por uma certa instabilidade. Como tem evoluído a economia da Tailândia, quais os eixos estratégicos ou prioritários do país e quais os desafios atuais na construção de um país competitivo?

A economia tailandesa vive um momento de transição; a concorrência dos seus vizinhos é muito forte e o seu desenvolvimento atingiu uma fase em que as reformas estruturais são essenciais sob pena de a Tailândia perder a batalha da concorrência nesta zona. As autoridades tailandesas estão conscientes deste facto e a decisão de aprovar um programa de reformas estruturais para os próximos 20 anos é prova disso.

Por outro lado, se os tailandeses atingiram um nível de vida elevado quando comparado com o dos seus vizinhos tal, contudo, criou-lhes uma armadilha, a do rendimento médio (midle income trap) que será necessário ultrapassar. Este é, na verdade, um dos desafios do Governo Tailandês, tendo em vista tentar a manter competitividade do país. Daí nomeadamente a sua aposta em novos sectores sendo exemplo claro o programa Tailândia 4.0, procurando desenvolver 10 sectores estratégicos usando alta tecnologia e invocação.

O que a torna atrativa em relação aos mercados “vizinhos”?

Apesar de tudo a Tailândia continua ainda a ser atrativa, mesmo quando comparada com os países imediatamente vizinhos, em termos de investimento. Nomeadamente pelas condições das infraestruturas que detém e nas quais continua a investir, apostando cada vez mais na inter-conetividade regional, mas também pelo seu desenvolvimento. Tais características permitem-lhe continuar a ser vista como hub para acesso aos mercados vizinhos. Mas dada a concorrência crescente a Tailândia compreende igualmente a importância da integração regional, por isso a sua forte defesa de Comunidade Económica ASEAN.

A segurança e a instabilidade política têm obrigado a repensar a estratégia? Nomeadamente a comunicação que faz de si ao mundo?

Sim, podemos dizer que sim. Principalmente a situação política pós golpe de estado de maio de 2014. Se é verdade que o Governo militar no poder desde então conseguiu garantir uma estabilidade que é muito querida por empresários e investidores, o facto do futuro não ser totalmente claro cria algumas incertezas. Em termos de segurança este Governo tem igualmente conseguido mantê-la. E por isso o Governo Tailandês tem feito tudo para demonstrar estabilidade e existência de um projeto de desenvolvimento e investimento para os próximos 20 anos, bem como medidas para facilitar investimentos ou combate à corrupção, tentando atrair investimentos ao país. A vossa própria visita a convite TAT é um exemplo da comunicação que estas autoridades têm procurado desenvolver, não só a nível interno, mas igualmente a nível internacional, junto de órgãos de comunicação social em diferentes países.

Há a vontade de construir uma história contemporânea entre os dois países (rejuvenescer a aliança histórica). Que estratégia existe de aproximação?

Essa é uma vontade clara dos nossos dois países. As nossas longas história e amizade infelizmente, como disse, não se espelham nas nossas relações económicas atuais, as quais têm muito espaço para crescer. Se continuamos apostados em desenvolver e multiplicar as nossas relações nas áreas cultural e educativa/científica, mostrando o Portugal contemporâneo e os seus avanços (com ações de promoção de cultura e da língua em ambos os países, mas igualmente com ações de cooperação entre varias instituições como Universidades, promovendo intercâmbios e visitas, exposições e concertos, etc), apostamos igualmente em mostrar o nosso mercado e as suas grandes vantagens, atraindo investidores tailandeses, mas também mostrando aos empresários e investidores portugueses que este mercado tem um grande potencial, não só interno, mas igualmente regional. Nesse sentido deverá ser criada em breve uma delegação da AICEP em Banguecoque que tenho a certeza ajudará a impulsionar esta vontade. Dada a impossibilidade de se efetuarem (até ao regresso da Tailândia a um regime democrático após as eleições que deverão ter lugar no final do próximo ano, ou em princípios de 2018) visitas oficiais de membros dos Governos da União Europeia à Tailândia, esta delegação poderá ajudar a trazer a este país empresários portugueses, mas igualmente ajudar a cativar empresários e investidores tailandeses para Portugal.

Outra iniciativa poderá ainda passar pela criação de uma Câmara de Comercio e Industria / uma Associação de Empresários Luso-Tailandesa?

Até agora os empresários e investidores de ambos os países têm procurado ambos os mercados de forma individual e com um pouco de espírito aventureiro. Estratégia terá de passar por dar um passo em frente e criar os laços que transformem o que agora é uma aventura numa realidade.

Como estamos de relações comerciais entre Portugal e Tailândia e que oportunidades existem e em que sectores?

Como referi atrás as relações comerciais bilaterais não refletem nem a proximidade nem o relacionamento histórico entre os nossos dois países. A balança comercial é claramente negativa a favor da Tailândia e no total o nosso comércio não ultrapassa os 150Meuros. Existem cerca de 250 empresas portuguesas a exportar para a Tailândia, mas apenas um número muito reduzido de pequenas empresas (nomeadamente no sector da alimentação) está instalado em território tailandês.  No sentido contrário, no ano passado, um grande grupo tailandês (MINOR International) efetuou um impressionante investimento na área da hospitalidade no nosso país ao adquirir a cadeia de hotéis Tivoli, estando igualmente presente no nosso mercado o Thai Union Group, na indústria conserveira.

As nossas grandes exportações para este mercado localizam-se no sector máquinas e aparelhos, bem como nas áreas indústrias papel, veículos e vestuário e calçado. Mas olhando para este mercado existem outras áreas com grande potencial que poderiam ser mais exploradas, como a construção civil, a inovação e tecnologia – economia digital, o turismo e a industria hoteleira, a agricultura, ou a própria alimentação.

E que perceção existe de Portugal, dos portugueses? É preciso também aprofundar esse conhecimento e promover esse reencontro?

A imagem de Portugal e dos Portugueses é aqui muito positiva (algo que me surpreendeu quando aqui cheguei na verdade há um ano atrás). Mais ainda do que a imagem que os portugueses têm da Tailândia e dos tailandeses.

Mas como todas as imagens muitos ligadas à nossa história e imaginários comuns, um pouco conservadora e presa ao passado, à nossa culinária e cultura, pelo que um dos meus objetivos tem sido mostrar um pouco mais do Portugal contemporâneo, moderno e desenvolvido, aberto às novidades e aos novos desafios, o Portugal da ciência e da tecnologia, não descurando, claro, os sectores tradicionais que aqui nos continuam a unir como sejam a cultura comum que a nossa longa história nos legou, desde as  palavras idênticas, às sobremesas iguais ou às comunidades luso descendentes de que os tailandeses tanto se orgulham.

Olhando para o momento atual e procurando perspetivar o futuro, que desafios vive a Tailândia e a sua marca?

Essencialmente a concorrência dos seus vizinhos em termos económicos e de novos destinos de turismo. A Tailândia terá de saber encontrar um novo lugar, e diversificar em termos de produtos e mercados, mas creio que o primeiro passo nesse sentido está dado: a consciência de que terá de fazer algo nesse sentido.

Pelo lado de Portugal e dos nossos empresários e investidores, devemos tentar olhar para a Tailândia também nessa perspectiva, tentando cativá-la para olhar para Portugal não só como o mais antigo aliado no Ocidente, mas como um parceiro económico importante, para investidores e comerciantes, e também como mercado.

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Jornalista: Vanda Jorge

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